Título: João Paulo se esquiva da paralisia na Casa
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2004, Política, p. A-9
A promessa do governo de liberar R$ 428 milhões em emendas parlamentares e empenhar outros R$ 1,1 bilhão não foi suficiente para retomar as votações na Câmara. Líderes dos partidos da bancada governista ainda expunham ontem os ressentimentos da briga com o Palácio do Planalto. A equipe econômica prometeu que a portaria com os empenhos será publicada hoje ou amanhã e que a liberação dos recursos será feita na semana que vem. Apesar de mais de 400 deputados estarem presentes na Casa, não houve quórum para abrir a sessão deliberativa de ontem. "É complicado. Eles pagaram apenas 6% de nossas emendas. Como vou pedir aos meus deputados que votem, com a promessa de que o governo vai liberar os demais 94% em 40 dias?", questionou, desanimado, o líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE).
Mesmo buscando um tom de conciliação e negociação, o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS) disparou críticas e ataques. Atacou os parlamentares que só votam após a publicação do decreto, comparando-os a São Tomé. "Querem tocar na ferida para saber se é mesmo Cristo." Mas também não poupou a equipe econômica do governo. "Eles não podem fazer política com a corda esticada. Acordo tem que ser cumprido. Senão, a dívida acaba estourando nas mãos do presidente", disse o gaúcho.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), esquivou-se da crise, afirmando que a relação do Planalto com os partidos da bancada governista não é um assunto que lhe diga respeito. Afirmou que sua tarefa é colocar as matérias em votação e acredita que a sociedade vai acabar cobrando do Parlamento a ausência de votações. "Esta foi mais uma semana perdida, infelizmente. Vai chegar uma hora que as coisas vão ter que voltar a andar", reclamou.
Em um encontro casual ontem, no salão verde da Câmara, João Paulo deparou-se com o líder do PFL na Casa, José Carlos Aleluia (BA). Amigos, ambos engataram um papo que acabou na liderança do PFL. João Paulo chegou a pedir ajuda ao parlamentar baiano para a retomada das votações. "Eu estou fazendo a minha parte, a oposição quer votar as matérias. Mas somente após a liberação de emendas é péssimo para a imagem do Congresso", avaliou Aleluia.
O chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu, entrou no circuito ontem e ligou para um líder de partido da bancada governista garantindo que, até o final desta semana, as pendências orçamentárias estariam resolvidas. Para o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), tudo o que os aliados querem é uma mudança de postura. "Não é uma rebelião. Mas eles precisam entender que existe Congresso", protestou o ministro.
O clima esquentou entre os líderes aliados durante a reunião de terça à noite, no gabinete do deputado Professor Luizinho (PT-SP). Em tom exaltado, todos reclamaram, uns dos outros, num bate-boca que se tornou generalizado.
A intenção do grupo era levar o resultado da reunião ao presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Não foi preciso. João Paulo apareceu de surpresa na liderança do governo. Quando sentiu o clima pesado, o presidente da Câmara também perdeu a paciência. "Cada um que responda por suas atitudes. Vou marcar sessão, cumprir minha função: eu não sou responsável pela confusão que está aí", exasperou-se, segundo relato de um líderes presentes ao encontro.
Saiu, enfurecido, deixando um rastro de silêncio na sala que, na avaliação de um líder partidário, deve ter durado quase cinco minutos. "Foi o momento mais constrangedor que enfrentei desde que fui eleito para coordenar minha bancada."