Título: O diálogo fracassa
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 07/04/2011, Mundo, p. 24

Protegido por 200 homens, o presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, aferra-se ao poder dentro de um bunker, sob o palácio. Do lado de fora, os 4 milhões dos 5 milhões de marfinenses que insistiram em permanecer em Abidjan compartilham do medo experimentado pelo mandatário. As últimas horas têm sido de angústia. ¿Estamos nas mãos de Deus¿, afirma ao Correio Yao, um empresário de 40 anos que mora em Abidjan. Logo que o dia amanheceu, as forças leais ao presidente eleito, Alassane Ouattara, receberam a ordem de atacar o local e capturar Gbagbo vivo.

Já não havia espaço para o diálogo. ¿As negociações entre assessores de Gbagbo e as autoridades marfinenses duraram horas ontem (terça-feira) e falharam, por causa da intransigência de Gbagbo¿, reconheceu o chanceler francês, Alain Juppé. ¿As armas ganharam voz¿, acrescentou. O assalto ao Palácio de Cocody durou cinco horas e foi um fiasco. Sem a ajuda dos capacetes azuis e dos franceses da Licorne ¿ uma força especial que atua sob a tutela das Nações Unidas ¿, as tropas de Ouattara não conseguiram fazer frente ao poderio de fogo da Guarda Republicana (pró-Gbagbo) e recuaram.

Durante o ataque, dezenas de armas teriam sido apreendidas. Em declarações à rede de tevê francesa LCI, na noite de terça-feira, Gbagbo havia apelado para um diálogo direto com o rival. ¿Eu não sou um camicase. Eu amo a vida. Minha voz não é a voz de um mártir. Eu não estou buscando morrer¿, avisou. ¿Pelo retorno da paz na Costa do Marfim, eu e Ottara, nós dois, demos que conversar¿, pediu.

Pouco antes do início da operação, Sikidi Konaté, porta-voz de Guillaume Soro, premiê de Ouattara, havia praticamente decretado o fim de Gbagbo. ¿Vamos tirar Laurent Gbagbo de sua toca e colocá-lo à disposição do presidente da República¿, disse à agência France-Presse. Segundo Juppé, o próprio Ouattara determinara as bases da rendição do adversário político. ¿As condições fixadas pelo presidente Ouattara são bem claras: (ele) exige que Laurent Gbagbo aceite sua derrota e reconheça a vitória do presidente legitimamente eleito¿, assegurou Juppé. Até o fechamento desta edição, o impasse prosseguia, mas havia a expectativa de que uma nova ofensiva ocorresse durante a noite ou a madrugada.

Os militares estrangeiros decidiram não intervir na invasão ao palácio pelo fato de Paris interpretar que ela se desenvolveu fora do contexto da Resolução nº 1.975. O texto reclama a neutralização das armas pesadas na Costa do Marfim.

Insegurança No fim da tarde de ontem (hora local), Yao contou à reportagem que ocorriam tiroteios esporádicos nos bairros de Yopougon e Adjamé e no subúrbio de Cocody. ¿Muitas armas foram distribuídas por partidários de Ouattara. Ante o risco de ser pego num fogo cruzado, eu prefiro ficar em casa¿, comentou. O empresário marfinense acha que Ouattara precisará de um grande esforço para governar. ¿Ele tentará reconciliar os marfinenses, remover as armas entregues aos jovens e alcançar a paz¿, aposta. ¿Mas o medo e a cautela dominam a população. Em cidades onde ocorreram massacres, será difícil que as pessoas esqueçam o que aconteceu.¿

Analista do Instituto para Estudos de Segurança (ISS) de Adis-Abeba, o etíope Lansana Gberie disse ao Correio crer que a ONU permanecerá na Costa do Marfim durante anos. ¿Ouattara consolidará seu domínio, com as políticas corretas. Ele foi bem-sucedido, enquanto premiê, e conhece muito o país¿, comenta. Gberie defende que Gbagbo seja julgado por ¿crimes hediondos¿ contra os civis de seu país. ¿Ele é o principal responsável por todo o banho de sangue. Se for capturado vivo, tem que ser levado ao tribunal¿, opina. O publicitário Hassan Halaoui, 32 anos, garante que pelo menos 2 mil pessoas morreram desde dezembro passado. O marfinense espera uma ação da Licorne para pôr fim à crise. ¿Os garotos franceses vão ajudá-los (as tropas de Ouattara). Sabemos que (Nicolas) Sarkozy (presidente da França) não aprecia Gbagbo¿, justifica Hassan.

Pedido de socorro Vários jornalistas estrangeiros e diplomatas de Japão, Israel e Índia pediram ontem ajuda aos Estados Unidos para fugir de Cocody, o principal bairro sitiado da capital da Costa do Marfim. ¿Eles nos pedem auxílio e informamos suas inquietações e suas necessidades à força Licorne (da França) e à Onuci (Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim¿, declarou William Fitzgerald, subsecretário de Estado adjunto para a África. O diplomata citou os embaixadores do Japão e da Índia, e o ¿embaixador ou o encarregado das Relações Exteriores israelense¿. A residência do embaixador do Japão em Abidjan foi atacada nesta quarta-feira por ¿mercenários¿, que posteriormente atiraram mísseis e bombas do edifício. Em torno de 20 jornalistas presos em um hotel também pediram socorro.