Título: A mensagem eletrônica em xeque
Autor: Ismael Pfeifer
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2004, Mídia & Marketing, p. A-20

O uso indiscriminado e o deslumbramento com a nova mídia impõem uma anticomunicação. Você chega para trabalhar e começa abrindo as correspondências - mais ou menos como seu avô fazia com um maço de envelopes antigamente. Mas você, profissional moderno, livrou-se das incômodas pilhas de papel, típicas da comunicação de até dez anos atrás. Em vez disso, terá diante de si o conforto do correio eletrônico com uma lista de 80, 100, 140 mensagens. Conforto?

Quase nada no papel, mas a "pilha" multiplicou-se de tamanho. Os e-mails oferecem, em sua maioria, remetentes desconhecidos, com "subjects" com ofertas de produtos e serviços (!?) pouco confiáveis do tipo "do you want to make her happy?" ou "dinero rápido acá". Nervosamente, você corre o cursor em busca de algo decifrável, mas em meio ao lixo de aparência suspeita acabará optando por apagar a maior parte do que está ali com medo de ser agarrado por algum golpe ou virus.

Nesse processo desordenado, a eventual informação útil pode acabar igualmente no lixo. Ou porque o tema parecia suspeito ou porque, na pressa por livrar-se de tanta porcaria e recompor o espaço da caixa-postal eletrônica, você acabou não percebendo aquilo que realmente interessava.

Checar com cuidado toda aquela montanha digital de spans (mensagens indesejadas e não autorizadas) tornou-se impossível. A operação, ainda que não se despendes-se mais do que 20 segundos em média para casa correspondência, roubaria pelo menos hora e meia de afazeres diários realmente importantes.

E a tal comunicação que se anunciou perfeita transforma-se em problema. Mas estaria a mensagem digital natimorta? A especialista em mídias digitais, Elizabeth Saad Corrêa, professora da ECA/USP, acredita que não. Mas vê a nova comunicação diante de um duro paradoxo: a eficácia do suposto correio perfeito vai sendo engolida pelo uso criminoso ou no mínimo indiscriminado da web.

Uma enfermidade para a qual ela vislumbra cura, mas cuja vacina completa e definitiva não existe e nem deverá existir. "Há formas para filtrar os spans e reduzir virus, o que ajuda. Mas o futuro dessa comunicação está sobretudo na educação do usuário, que neste primeiro momento banalizou o recurso e criou conflito para a nova mídia", avalia Elizabeth.Essa catequização em busca do uso racional do correio eletrônico - que ocupa hoje a maior parte da comunicação via web pelo mundo - tende no entanto a enfrentar desafios importantes. Para a especialista, o usuário da internet ainda posta-se diante do computador de forma perigosamente inocente. "É um jogo desigual, porque do outro lado estão hackers dispostos a jogar virus que não apenas destroem arquivos mas podem vasculhar contas bancárias e senhas secretas", observa.

Este ano, no Brasil, os e-mails foram uma porta a criminosos mais ameaçadora para os correntistas de bancos do que os velhos ladrões arma em punho. Segundo números da Polícia Federal, o dinheiro arrancado ilegalmente de contas via web já beira os R$ 60 milhões, algo mais do que os assaltos levaram nos dez primeiros meses do ano.

"O usuário deve estar atento, não abrir nada a menos que tenha certeza de que se trata de mensagem amigável", resume Elizabeth. Embora os portais ofereçam serviços gratuitos como anti-spans, os sistemas de mensagens invasoras têm-se aperfeiçoado em disfarces para forçar o internauta a abrir mensagens e deflagrar processos de rastreamento em busca de dados pessoais e números confidenciais. Os programas criminosos pinçam "subjects" eletronicamente com base em informações familiares ao receptor, para criar interesse e gerar a abertura da mensagem, botão que deflagra os estragos por virus ou a varredura em busca de dados confidenciais.

"A mídia digital é ainda muito nova e os avanços têm ocorrido de forma caótica. Ninguém, no tempo das cartas, mandava dez envelopes para amigos para simplesmente contar uma piada. Mas hoje, com a facilidade da comunicação eletrônica, isso tornou-se comum e ajuda a poluir a comunicação, ao agregar ainda mais mensagens não solicitadas", indica a estudiosa do assunto, que acredita que esse deslumbramento inicial com o meio, responsável pela profusão de parte da montanha de porcarias na web, tende a se arrefecer com o amadurecimento do usuário.

No admirável mundo novo da comunicação, todos os seus endereços e mesmo o seu número de CPF podem estar sendo comercializado neste momento em CDs por camelôs na rua Santa Efigênia. "É trabalho organizado pelos micreiros, que entram em acervos de dados de empresas e consegue ali o que antes só se alcançava pagando caro", resume ela, evidenciando um mundo cada vez menos privado.

A desestruturação do usuário diante do computador pode ser compensada, além dos anti-spans, pelos sistemas coletivos de defesa - grupos de usuários de confiança mútua adota um mesmo software que emite mensagens coletivas de risco, coíbe a recepção de mensagens emitidas às milhares desde um mesmo servidor. "São restrições que ajudam a conviver com a invasão de e-mails não desejados, embora não resolvam todo o problema", observa Elizabeth Saad Corrêa.

O problema é que para cada novo recurso em defesa do usuário vários novos monstrengos ainda mais invasivos são bolados. "Quando os internautas alcançarem a percepção de que o sistema serve para trocas produtivas o meio estará desenvolvido o suficiente para tornar-se realmente eficiente", aponta a especialista, mas seu arriscar marcar data.