Título: Retração de preços já surpreende o mercado
Autor: Alexandre Inacio
Fonte: Gazeta Mercantil, 11/11/2004, Agribusiness, p. B-12

Série de coincidências nas safras do mundo todo está fazendo com que cotações sejam revistas no mercado. A queda nos preços internacionais das principais commodities agrícolas era um cenário previsto pelo mercado. O que os agentes não esperavam é que essa retração nas cotações fosse tão acentuada como está se desenhando.

A situação global dos preços das commodities preocupa não apenas o setor produtivo, mas todo o governo. Sendo o agronegócio um dos principais setores a trazer divisas cambiais para o País e dada a retração dos preços internacionais, o governo teme por uma possível queda na arrecadação.

"Da mesma forma que os produtores terão um orçamento mais apertado, o País também terá uma arrecadação menor, já que os preços das commodities estão em baixa e o real também está valorizado", afirma Macel Caixeta, presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Maior apoio

Dado o cenário nada otimista para o agronegócio brasileiro, o governo deverá ser acionado para criar de proteção de preços. "Embora os produtores estejam relativamente bem capitalizados devido a boa safra anterior, face aos investimentos realizados nessa ocasião, poderá haver necessidade de apoio ao setor para superar as dificuldades que se avizinham", afirma Geraldo Sant¿Ana de Camargo Barros, coordenador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP.

Não só os preços internacionais em dólares estarão bem mais baixos, na avaliação de Barros, como o dólar no Brasil estará bastante barato (real muito valorizado). "Há, nessa perspectiva, uma dupla pressão baixista nos preços agropecuários. Para melhorar este quadro, externamente deveria haver uma aceleração na desvalorização do dólar", sugere o especialista.

A soja, grande vedete do Brasil nos últimos três anos, já acumula uma retração de 36,2% na Chicago Board of Trade (CBoT). A saca de 60 quilos do grão, que no início do ano era negociada a US$ 18,14, fechou ontem cotada a US$ 11,57.

Erro de cálculo

"No começo do ano, o mercado era quase unânime em prever que os preços da soja ficariam dentro da média histórica, entre US$ 5,8 (US$ 12,5 por saca) e US$ 6 por bushel (US$ 13 por saca). O que ninguém apostava era que as cotações caíssem para um nível inferior a esse", diz Renato Sayeg, diretor da Tetras Corretora.

De acordo com o analista, a média esperada das cotações de soja na bolsa de Chicago era entre 20% e 25%, mas com o anúncio de uma safra recorde nos Estados Unidos, o cenário foi alterado. "Até setembro, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) previa uma colheita de 77 milhões de toneladas, quando reviu para 84 milhões", diz Sayeg.

No caso do algodão, a situação é um pouco mais delicada. Os preços da pluma já acumulam queda de 42,9% este ano. Ontem, na bolsa de Nova York, as cotações do algodão fecharam a 43,02 centavos de dólar por libra-peso. Já em janeiro, o preço da pluma foi negociado a 75,40 centavos.

"Ninguém esperava que os cinco maiores produtores mundiais fossem registrar produções recordes de algodão em um mesmo ano", diz Daniel Dias, analista da FNP Consultoria. O analista diz não lembrar de outra situação que tal coincidência ocorresse em âmbito mundial.

Queda menor

A situação do trigo é um pouco menos desconfortável. O grão acumula uma queda de 21,5% entre janeiro e novembro. Os preços saíram de US$ 147,90 por tonelada em janeiro para os atuais US$ 116 por tonelada. "A situação do trigo é um pouco semelhante à do algodão. Grandes países produtores estão ampliando suas safras, como é o caso do Brasil, Argentina e a volta da Austrália, depois da seca que sofreu", lembra Flávia Moura, analista da Fimat Futures.

Um pouco menos dramática é a situação do milho, que entre os grãos é o que apresenta a menor queda. Os preços do grão em Chicago caíram de US$ 6,32 em janeiro por saca para um valor de US$ 4,97 a saca de 60 quilos, no fechamento de ontem, acumulando uma retração de 21,4%.

"O mercado esperava que a produção de milho dos Estados Unidos fosse apresentar um pequeno crescimento, dada a ampliação da área plantada. O que ninguém contava é que a produtividade fosse passar de 9.000 kg/ha para 10.300 kg/ha", afirma Paulo Molinari, consultor da Safras&Mercado.

Com um aumento de produtividade da ordem de 14,4%, Molinari lembra que a produção americana de milho passou de 256 milhões de toneladas na safra passada para as atuais 300 milhões de toneladas. "Os agricultores ampliaram a área de transgênico, diminuíram o espaçamento entre plantas e aplicaram um nível maior de fertilizantes. Esses fatores fizeram a produtividade disparar", explica.

Para tentar solucionar todo esse quadro pessimista, pelo menos para o mercado interno, está marcada para hoje, em Cuiabá (MT), uma reunião entre a Comissão de Cereais, Fibras e Oleaginosas e de Crédito da CNA, com o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedeckin, e o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Ricardo Conceição. "A idéia é colocar o governo a par da situação e tentar desenvolver mecanismos para amenizar a situação dos preços das commodities", afirma Caixeta, da CNA, lembrando que os recursos disponibilizados esse ano foram insuficientes para a agricultura.