Título: O Brasil vulnerável, mas não muito
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Fonte: Gazeta Mercantil, 10/11/2004, Opinião, p. A-3

10 de Novembro de 2004 - O Brasil está numa situação relativamente confortável, no momento, em relação às contas externas, como resultado de um processo de ajuste iniciado pelo governo e em andamento a uma velocidade às vezes uniformemente constante e outras vezes acelerada.

O dado mais evidente que mostra a boa situação das contas externas são os sucessivos superávits na balança comercial. Na primeira semana de novembro, com apenas quatro dias úteis, o saldo positivo foi de US$ 683 milhões. No acumulado deste ano, o superávit já soma US$ 28,8 bilhões, portanto 38,7% acima dos US$ 20,76 bilhões registrados em igual período do ano passado. Portanto, o saldo caminha para atingir o previsto para este ano, entre US$ 31 bilhões e US$ 33 bilhões, dependendo da fonte.

A conta de transações correntes vem registrando superávits crescentes, mês a mês, no acumulado de 12 meses, desde junho de 2003. Em setembro último atingiu o recorde histórico de US$ 1,74 bilhão no mês, o melhor resultado para esse mês desde o início do registro da série, em 1947. Um desempenho para nenhum pessimista botar defeito. No acumulado do ano até aquele mês, o superávit atingiu US$ 9,6 bilhões, ante US$ 3,8 bilhões no mesmo período de 2003. O acumulado de 12 meses, completados em setembro, de US$ 9,8 bilhões, também registrou um recorde. Para o ano todo de 2004, a previsão é de que esse superávit atinja o marco emblemático de US$ 10 bilhões.

A dívida externa brasileira também vem caindo, como resultado de uma política do governo de honrar compromissos com credores no exterior. Na comparação de setembro de 2003 com julho deste ano, a dívida caiu US$ 16,7 bilhões, de US$ 219,7 bilhões para US$ 203 bilhões.

As reservas líquidas cambiais, que excluem empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e os depósitos em moeda estrangeira em bancos com sede no Brasil, fecharam setembro em US$ 22,98 bilhões. Embora estejam muito abaixo dos valores em dezembro de 1997 (US$ 52,11 bilhões) e em dezembro do ano seguinte (US$ 34,36 bilhões), são superiores às de dezembro do último ano (2002) do governo de Fernando Henrique Cardoso (US$ 14,23 bilhões) e às de dezembro de 2003, o primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (US$ 17,37 bilhões).

Portanto, em condições normais de pressão e temperatura, a situação é relativamente tranqüila. Mas num mundo pós-reeleição de George W. Bush, com as novas ameaças de Osama bin Laden, a guerra sem fim no Iraque, a ausência temporária ou definitiva de Yasser Arafat no cenário político do Oriente Médio, os preços altamente especulativos do petróleo no mercado internacional e a anunciada e prevista desaceleração da economia da China nos próximos meses, nem o mais exacerbado otimista pode dormir tranqüilo.

Por isso, é muito sensato e prudente o alerta feito nesta segunda-feira pelo economista e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, de que, com reservas líquidas de US$ 21 bilhões no final deste ano, segundo cálculos desse especialista, o Brasil continua a ter "certa vulnerabilidade". Para usar uma expressão dele próprio, caso haja uma "dor de barriga" no mercado internacional, o Brasil pode vir a enfrentar problemas.

Isso fica evidente quando se examinam as contas e compromissos externos do Brasil. Para começar, esse total de divisas líquidas só daria para pagar a dívida de curto prazo, inferior a um ano, como diz o economista.

A Carta do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) de outubro aponta como fator de vulnerabilidade o fato de que a relação dívida externa/exportações de bens e serviços do Brasil era de 227% em julho, enquanto as nações asiáticas em desenvolvimento devem fechar este ano em 63% e os países emergentes, em média, em 93%. Além disso, a relação reservas internacionais/dívida externa que atingiu 22,5% em julho último, está muito abaixo da proporção estimada pelo FMI para o conjunto dos países africanos em desenvolvimento (41,4%) e para o grupo total dos emergentes (61,9%). O Brasil também é o país com maior dívida externa entre os emergentes e, dentre estes, é o que detém a maior relação juros da dívida/exportações, com exceção da Argentina, que passou por uma crise econômica e política recente.

Para evitar essa vulnerabilidade, seria prudente que o Brasil mantivesse abertas as portas do FMI, para recorrer a ele em caso de necessidade. Além disso, é preciso continuar e ampliar o esforço exportador e atrair novos investimentos externos produtivos. Só assim se evita que uma dor de barriga externa se transforme em perigosa desidratação interna.