Título: Uma política contraditória
Autor: Ernane Galvêas
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/11/2004, Editorial, p. A-3

O Banco Central errou ao elevar os juros básicos para 16,75%. É sabido que o sistema de metas inflacionárias do Banco Central do Brasil sofre uma distorção estrutural, porque baseado em um índice que engloba preços livres e preços administrados e, de outro lado, preços de produtos comercializáveis (tradables) e não-comercializáveis (non tradables). Os preços administrados estão indexados por uma correção monetária contratual e, portanto, fogem ao controle do Banco Central. O mesmo acontece com os preços dos bens comercializáveis, ligados às exportações que, geralmente, variam de acordo com as cotações nos mercados externos. Quando o Banco Central fixa a taxa de juros básica (Copom), seus efeitos se fazem sentir fundamentalmente sobre a parcela dos preços livres não-comercializáveis. O que acaba sendo um exercício de non sense. Grosso modo, o Banco Central tem duas motivações para elevar a taxa de juros básica: 1) reduzir as pressões inflacionárias; e/ou 2) criar condições para girar a dívida pública. Como vimos, não faz sentido, na conjuntura atual, elevar os juros para combater uma inflação que resulta mais dos preços administrados do que dos preços livres. De acordo com suas convicções monetaristas, o Banco Central do Brasil vem aumentando a taxa básica de juros. Dizer que, com isso, o Banco Central reafirma sua independência não faz o menor sentido. Apenas torna mais visível a contradição entre a política econômica do governo, que estimula o consumo e os investimentos, e a política monetária que procura restringi-los. Nos últimos 12 meses, o consumo de bens e serviços e, portanto, as vendas do comércio varejista vêm apresentando um forte ritmo de crescimento, proporcionando uma correspondente expansão da produção industrial que, rapidamente, se aproxima do limite máximo de sua capacidade técnica. Uma tal situação gera, teoricamente, pressões inflacionárias que o Banco Central se julga na obrigação de evitar e combater. Segundo as previsões oficiais, a taxa básica da inflação brasileira medida pelo IPCA deverá atingir 7% neste ano e poderá permanecer em 2005. De acordo com a atual orientação, a política monetária vai continuar atuando para conter a demanda agregada, limitando a expansão do consumo e dos investimentos. Contrariamente a essa orientação do Banco Central, o governo federal desenvolve uma política econômica expansionista, estimulando o Banco do Brasil, o BNDES, a Caixa Econômica e outras instituições financeiras a expandirem os financiamentos destinados ao consumo das massas e aos investimentos privados. A conclusão, portanto, é que o Banco Central errou ao elevar os juros básicos de 16,0% para 16,25% em setembro, e em outubro para 16,75%. kicker: O governo estimula o consumo ea política monetária tenta restringi-lo