Título: Poupatempo da habitação
Autor: João Claudio Robusti
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/11/2004, Editorial, p. A-3

Abrir empresa demora 151 dias; são cinco meses perdidos. O Brasil está entre os campeões mundiais da burocracia. Quem diz isso não é um partido de oposição. É o Banco Mundial, em estudo sobre o tema, realizado em 155 países. Devido à ineficiência gerada pela burocratização, o crescimento per capita do Brasil nos últimos dez anos tem sido de 1,5% ao ano, semelhante ao de países que vivem em guerra civil. Em São Paulo, nossa cidade mais desenvolvida, abrir uma empresa demora 151 dias. São cinco meses perdidos nos quais se poderiam produzir bens e serviços, empregar, gerar renda e arrecadar. O efeito da burocracia na cadeia produtiva na construção civil, que representa 16% do PIB e gera 15 milhões de empregos, é nefasto. Viabilizar e legalizar uma edificação transformou-se numa verdadeira corrida de obstáculos. As pedras no caminho começam ainda no equacionamento econômico do projeto. É preciso lidar com um cipoal de exigências urbanas, ambientais e cartoriais, contratar especialistas, tirar certidões, retificar matrículas. Em seguida, enfrenta-se uma muralha de obstáculos de aprovações dos órgãos públicos, muitos deles despreparados para deliberar corretamente e com rapidez. Ainda por cima, secretarias de governo têm interpretações divergentes da legislação, retardando o início da obra, às vezes por mais de um ano. Concluída a construção, começa a peregrinação por um novo labirinto. Ligações de concessionários de serviços públicos, certidões de quitação do INSS e do ISS, autos de conclusão, habite-se, recebimento da obra pelo contratante, mais registros cartoriais e até jurássico alvará de funcionamento de elevadores em alguns municípios - tudo isso leva outros tantos meses. Nessa fase, freqüentemente as certidões de alguns órgãos expiram, enquanto outros trâmites se arrastam, obrigando o construtor a entrar com novas petições e até mandados de segurança para conseguir juntar papelada necessária à legalização do empreendimento. Estudo do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) mostra o prejuízo da burocracia. Simulou-se a atuação passo a passo de uma construtora hipotética, com faturamento anual de R$ 30 milhões, para viabilizar, edificar e entregar vários conjuntos residenciais do PAR (Programa de Arrendamento Residencial), totalizando 930 moradias populares. Normalmente, o tempo gasto nas fases de estudo de viabilidade, aprovação e legalização dos empreendimentos deveria ficar entre cinco a oito meses. Entretanto, devido à gincana de obstáculos, inacreditavelmente gastam-se de 19 a 42 meses. O custo somente da viabilização (excluindo o de construção) deveria se situar entre R$ 125 mil e R$ 200 mil. Contudo, por conta da penosa travessia do cipoal burocrático, esse valor sobe absurdamente para algo entre R$ 475 mil e R$ 1,05 milhão. Ou seja, se a burocracia fosse drasticamente reduzida, seria possível viabilizar, com os mesmos recursos gastos hoje, até quatro vezes mais habitações populares, num tempo até cinco vezes menor que o atual. A solução é inacreditavelmente simples. Bastaria centralizar os trâmites federais, estaduais e municipais num único Poupatempo da Habitação, informatizado e operado por funcionários ágeis e qualificados, trabalhando on-line dentro de prazos extremamente enxutos. Adicionalmente, o excesso de exigências seria removido e a legislação, simplificada. União, estados e municípios gastariam pouquíssimo se juntassem esforços. O único investimento de peso seria vontade política. O reflexo imediato seria mais habitação, emprego, renda e arrecadação. Ganharia o País. kicker: Viabilizar e legalizar uma edificação transformou-se numa corrida de obstáculos