Título: O câmbio e a estabilidade macroeconômica
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 12/11/2004, Opinião, p. A-3

Finalmente, depois de 19 anos, o Brasil vai ultrapassar, de novo, neste ano, a barreira de 1% de participação no comércio internacional. O País deverá chegar ao final de 2004 com 1,06%, segundo a Fundação Centro de Estudos em Comércio Exterior (Funcex). Um porcentual inferior, entretanto, ao registrado em 1985, de 1,4%. A bem da verdade, essa participação ocorre agora em outro patamar de volume de produtos exportados e de valores transacionados em dólar. Mas em termos relativos, no total do comércio mundial, essa fatia acrescida ao nosso desempenho tradicional é muito fina. Tão fina que, como diriam nossos antepassados portugueses, daria para ver a Sé de Braga através dela.

Considerando os resultados dos últimos anos, entretanto, esse desempenho resultou de um esforço hercúleo de setores exportadores, principalmente do agronegócio. É de justiça lembrar que do ano 2000 para 2001, a balança comercial brasileira passou de um déficit de US$ 751 milhões para um superávit de US$ 2,6 bilhões. E, a partir de então, os resultados só cresceram ainda mais, ajudados em parte por dois anos de estagnação no mercado interno. Para os setores mais dinâmicos da economia, mais uma vez, exportar foi a solução. Assim, o saldo da balança comercial cresceu para US$ 13,12 bilhões em 2002 e para US$ 24,79 bilhões em 2003.

De janeiro a outubro deste ano, o saldo positivo já ultrapassou o total do ano passado, ao bater em US$ 28,12 bilhões. E deve crescer até US$ 31 bilhões ou US$ 32 bilhões, dependendo da instituição ou do especialista que faz as previsões, para um total de exportações de US$ 94 bilhões até o fim do ano.

O setor do agronegócio, seguindo uma tradição (ou inexorável destino) desde o período colonial, tem sido o sustentáculo das exportações brasileiras e foi o responsável pelo início da virada na balança comercial a partir de 2001. E nos últimos anos o setor tem mantido participação significativa em torno de 42% no comércio exterior brasileiro.

Isso se deve a vários fatores. Em primeiro lugar, a um ciclo de alta nos preços das commodities agrícolas, principalmente da soja, no mercado internacional. Depois, a uma expansão da fronteira agrícola, com a incorporação de terras novas de alta fertilidade. Fator importante tem sido o aumento de produtividade, resultado da introdução de novas tecnologias, principalmente as desenvol-vidas pela Embrapa, e de máquinas e implementos mais modernos, uma facilidade proporcionada pelo programa Moderfrota do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os lucros excepcionais obtidos nesses anos também permitiram a capitalização do produtor, que reinvestiu em seu próprio negócio, fugindo do crédito bancário.

O ciclo de alta de preços das commodities agrícolas, entretanto, parece ter se encerrado, dando início a um novo período de baixa. Como disse o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues recentemente, "a volatilidade do mercado de commodities é muito alta", e é possível que o novo ciclo de baixa demore até três anos.

Uma agravante é que os preços internacionais das commodities caíram a níveis inferiores às médias históricas. No caso da soja, a saca de 60 quilos, que no início do ano era cotada a US$ 18,14, anteontem fechou a US$ 11,57, abaixo da média histórica de US$ 12,50 a US$ 13,00. Uma queda de 36,2%. No caso do algodão, a redução foi ainda maior, de 42,9%, mas outros produtos agrícolas caíram menos: o trigo, 21,5% e o milho, 21,4%. Além disso, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) prevê queda de 12% nas exportações de café da safra 2004/2005 do Brasil. Seria o segundo ano consecutivo de queda.

Essa situação deverá ter repercussão maior no desempenho da balança comercial de 2005. Embora as exportações possam atingir US$ 100 bilhões no próximo ano, o saldo comercial deverá ser inferior ao deste ano, podendo ficar em US$ 25 bilhões, segundo especialistas. E os produtores devem estar conscientes da tendência, já evidenciada, de que precisarão produzir cada vez mais para obter a mesma renda, e aproveitar os momentos cíclicos de alta de preços para se capitalizar e obter fôlego para os períodos de baixa.

As autoridades agrícolas e do Ministério da Fazenda, entretanto, não podem ficar alheios à situação dos produtores, sob risco de desestimular um setor que vem contribuindo positivamente para o ingresso de divisas. E um ponto nevrálgico nessa questão é a questão cambial. Caso o real continue sobrevalorizado, como atestam vários especialistas, ainda mais num momento em que o dólar vem se desvalorizando frente a outras moedas, as exportações ¿ não só agrícolas ¿ serão desestimuladas, pondo em risco a estabilidade macroeconômica. kicker: Nos últimos anos o agronegócio tem mantido participação significativa em torno de 42% no comércio exterior brasileiro