Título: Desoneração ameaça caixas estaduais
Autor: Raimundo José Pinto
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/08/2004, Nacional, p. A-6

Com o crescimento das exportações, as empresas acumulam créditos a receber do ICMS. O excelente desempenho das exportações brasileiras, ainda que positivo à economia do País, deverá agravar problemas decorrentes da ausência de funcionalidade do sistema tributário nacional, dentre eles o acúmulo de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por parte das empresas exportadoras e o impacto negativo na já difícil situação das finanças estaduais.

Na avaliação do secretário da Fazenda do Pará, Paulo Machado, com a promulgação da Lei Complementar nº 87/96, a chamada Lei Kandir, em setembro de 1996, e a conseqüente desoneração do ICMS sobre as exportações, esperava-se, de pronto, um incremento nas exportações, o que não ocorreu.

"Entre 1996 e 1999, elas ficaram praticamente estabilizadas, em torno da média de US$ 50 bilhões por ano. Nesse intervalo, para piorar as coisas, 1998 e 1999 foram os únicos anos da década a registrar, nas exportações, taxas negativas de crescimento", disse Machado, que é economista e representante da região Norte no Fórum de Secretários de Fazenda para discussão da Reforma Tributária.

O que a Lei Kandir não conseguiu, segundo Machado, a desvalorização cambial obteve com sucesso. "O fim da ancoragem do real ao dólar e o processo que se seguiu de desvalorização da moeda nacional, iniciado em 1999, fez-se acompanhar de expressivo crescimento das exportações. Elas saltaram dos US$ 55 bilhões em 2000 para US$ 73 bilhões em 2003, fazendo o País sair de um déficit de US$ 697 milhões na balança comercial naquele ano para um superávit de US$ 24,8 bilhões no último ano", disse.

"A Lei Kandir não apenas desonerou as exportações", disse Machado, "como também garantiu aos exportadores a manutenção do crédito de ICMS das etapas anteriores do processo produtivo". Com isso, acrescentou, se não foi eficaz na promoção das exportações, foi pródiga na geração de créditos aos exportadores quando as exportações começaram a se avolumar em conseqüência da desvalorização cambial. Dessa forma, os estados se encontram hoje diante do seguinte dilema: reconhecer e pagar os créditos e comprometer o frágil equilíbrio fiscal ou deixar saldos credores acumulados nas empresas exportadoras.

Machado lembra que alguns analistas argumentam que os estados recebem da União uma compensação pela desoneração e, portanto, não têm do que reclamar. "Isso é só parcialmente verdadeiro", disse o secretário. Ele explica que o período que serviu de base para definir o volume de perdas dos estados e o montante do fundo de ressarcimento foi 1995-96. Nesse período, as exportações estavam na casa dos US$ 47 bilhões por ano.

Nos últimos 12 meses, elas já acumularam US$ 80 bilhões, um incremento de 70%. Já o fundo para ressarcimento aos estados que, em valores atualizados, foi integralizado por R$ 6,5 bilhões em 1996, caiu 48%, representando R$ 3,4 bilhões em 2004. "Além disso, este fundo não era destinado somente à manutenção dos créditos dos exportadores, mas sobretudo a recompor as perdas de arrecadação corrente com a desoneração das exportações", disse o secretário.

Em relação à balança comercial, ele explica que os estados podem ser classificados em três grupos: equilibrados, deficitários e superavitários. "Os estados equilibrados não apresentam prejuízos com a desoneração das exportações, pois o fluxo de importações, tributado, compensa o fluxo de exportações. Já os estados deficitários têm um ganho relativo, tendo em vista que o fluxo tributado de importações supera as exportações. Finalmente, os estados superavitários apresentam uma expressiva perda, pois a receita decorrente do fluxo de importações é menor do que a perda gerada pelas exportações."

Dessa forma, disse Machado, "a não funcionalidade do sistema é representada pelo fato de os estados fornecedores de divisas para o País serem punidos, por não terem retorno tributário sobre os bens exportados, ao passo que os estados importadores são beneficiados, por arrecadar ICMS sobre os bens importados". Segundo ele, expressa flagrante contradição o fato de que hoje o País, dependente de superávits comerciais para equilibrar seus déficits estruturais, pune quem contribui positivamente para a geração de superávits e premia quem gera déficits comerciais.

Além disso, Machado destaca que quando é somada a desoneração à tributação na origem, como é o caso brasileiro, o sistema apresenta aspectos de grande injustiça. Ele cita um exemplo: uma empresa exportadora localizada no estado do Pará compra insumos de uma determinada empresa de São Paulo. A operação interestadual é tributada e 7% do valor da transação será recolhido aos cofres de São Paulo. Já a exportação realizada pela empresa paraense é desonerada e ela ainda tem o direito de receber dos cofres públicos do Pará o valor do imposto pago a São Paulo. "Um estado recolhe o imposto, o outro tem que devolver."

Na tentativa de superar esse problema, Machado informa que o estado do Pará propôs na reforma tributária a criação de um mecanismo de distribuição de parte de um ou mais de um tributo federal incidente sobre as importações aos estados geradores de divisas, na proporção de seu saldo na balança comercial.

"Essa proposta", disse ele, "tem como pressuposto que a principal beneficiária da geração de divisas são os entes federados e que, portanto, a correção da distorção do sistema tributário tem que necessariamente ser federativa. Ademais, os tributos sobre a importação devem ser o funding, pois o fluxo de importações, que gera excelente receita à União e aos estados importadores, só se viabiliza através das divisas geradas pelas exportações".

Para Machado, "a discussão em torno da proposta deverá ser retomada, pois quanto mais o País exportar, mais estaremos nos aproximando da inviabilidade de honrar a totalidade dos créditos das empresas exportadoras".

Os estados temem pagar os créditos e colocar em perigo o equilíbrio fiscal