Título: Uma vida dedicada à causa palestina
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Fonte: Gazeta Mercantil, 12/11/2004, Internacional, p. A-8

Yasser Arafat, líder da Autoridade Palestina, um dos personagens mais polêmicos do século XX por sua luta pela criação do Estado Palestino, nasceu em 24 de agosto de 1929 no Cairo, onde cursou engenharia civil na Universidade do Cairo. Ainda nos tempos de estudante, filiou-se à Irmandade Islâmica e à associação de estudantes, da qual foi presidente entre 1952 e 1956. No Cairo, tornou-se amigo próximo de Mohammad Amin al-Husayni (1895-1974), também apelidado de al-Husseini, líder nacionalista palestino e líder religioso muçulmano. Al-Husseini desempenhou importante papel na resistência árabe às ambições políticas israelenses na Palestina.

Em 1956, Arafat serviu no exército egípcio durante a crise do Canal de Suez. Após a guerra foi viver no Kuwait, onde esteve envolvido na criação da Fatah, uma organização dedicada ao estabelecimento de um Estado palestino independente. A Fatah foi contratada pela Síria para levar a cabo sua primeira operação militar em dezembro de 1964 - fazer explodir uma bomba de abastecimento de água. O ataque foi um fracasso. No entanto, após a Guerra dos Seis Dias de 1967, os governos árabes passaram a se interessar mais pelas organizações palestinas, entre elas a Fatah, cujas atividades passariam a financiar.

Depois da guerra dos seis dias de 1967, Arafat e a Fatah passaram a atuar a partir da Jordânia, lançando ataques contra Israel. No final da década de 1960, a Fatah passou a controlar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e em 1969 Arafat foi nomeado presidente da OLP. Arafat tornou-se chefe do Estado Maior das Forças Revolucionárias Palestinas e, em 1973, foi escolhido como líder político, cargo que ocupou até sua morte.

Sob seu comando e com o apoio da União Soviética, a OLP tenta transformar a Jordânia num estado palestino, o que faz crescer as tensões entre palestinos e o governo da Jordânia, culminando com o seqüestro e subseqüente destruição de quatro aviões daquele país pela OLP. Na Guerra Civil da Jordania (1970-1971), a monarquia jordaniana, com a ajuda de Israel, derrotou a OLP e a Síria, que se preparava para invadir a Jordânia em apoio à organização.

Depois da derrota, Arafat transferiu-se, juntamente com a OLP da Jordânia, para o Líbano onde a organização conseguia operar como um estado independente. Em setembro de 1972, o grupo chamado Setembro Negro, descrito pela mídia ocidental como uma fachada operacional usada pelo grupo Fat

ah de Arafat, sequestrou 11 atletas israelenses durante os Jogos Olímpicos da Alemanha. No confronto com a polícia que invadiu o local, os atletas foram mortos, o que ficou conhecido como o "Massacre de Munique".

A condenação internacional do ataque fez com que Arafat, em 1974, se declarasse contra tais ações e ordenasse que a OLP se abstivesse de atos de violência fora de Israel, da Margem Ocidental do Rio Jordão e da Faixa de Gaza. No mesmo ano, Arafat tornou-se o primeiro representante de uma organização não-governamental a discursar em sessão plenária de uma Assembléia Geral das Nações Unidas. Em 1974, líderes de estados árabes declararam a OLP como o único representante legítimo de todos os palestinos e em 1976 a OLP foi admitida como membro da Liga Árabe.

No Líbano, a OLP, atuando ao lado de forças progressistas de esquerda, enfrenta violenta oposição do exército sul-libanês apoiado por tropas israelenses e por grupos pára-militares que invadem o sul do país deflagrando uma guerra civil. Em junho de 1982, Beirute foi cercada pelas tropas e sob influência americana, foi negociado um cessar-fogo que permitiu a Arafat e à OLP fugirem para a Tunísia, onde permaneceriam até 1993. Pressionado pelo governo americano que queria iniciar negociações de paz, Arafat renuncia à luta armada.

Com a primeira derrota de Sadam Hussein, do Iraque, que financiava a causa palestina, a OLP ficou sem aliados e sem dinheiro, e Arafat acabou sendo forçado a fechar acordos com Israel sob termos nem sempre considerados aceitáveis por seus comandados.

Em novembro de 1991 Arafat casou-se secretamente com uma palestina cristã, Suha Arafat, com quem teve uma filha.

Em 1993, finalmente Israel admite a existência de um Estado Palestino circunscrito à faixa de Gaza e a uma parcela da margem ocidental do Rio Jordão, em um acordo firmado na Casa Branca entre o primeiro-ministro Yitzhak Rabin e Yasser Arafat.

Em 1º de julho de 1994, após 26 anos de exílio, o líder pisa pela primeira vez em solo palestino. Em dezembro do mesmo ano, Arafat, Rabin e Shimon Peres, ministro do Exterior israelense, ganham o Prêmio Nobel da Paz. Em 1996, na primeira eleição do estado palestino, Arafat é eleito presidente da Autoridade Palestina com 87% dos votos.

Em meados de 1996, Benjamin Netanyahu tentou obstruir a transição para o Estado palestino delineada no acordo OLP-Israel. Em 1988, o presidente americano Bill Clinton interveio, arranjando um encontro com os dois líderes. O resultado desse encontro, o "Memorandum de Wye River", detalhava os passos a serem tomados pelo governo israelense e pela OLP para completar o processo de paz. Em julho de 2000, Arafat continuou as negociaçoes com o sucessor de Netanyahu, Ehud Barak.

Durante a década de 90, outros grupos iniciam a luta armada contra Israel, entre eles o Hamas e a Jirad Islâmica, ambos fundamentalistas, passando a concorrer com a Fatah e nem sempre se submetendo à autoridade do líder palestino. Do lado de Israel, Ariel Sharon, inimigo de Arafat desde a invasão do Líbano, quando comandava as Forças Armadas israelenses, assume o governo decidido a acabar com a resistência palestina.

Em março de 2002, a Liga Árabe fez a proposta de reconhecer Israel em troca da retirada de todos os territórios capturados na Guerra dos Seis Dias e o reconhecimento da soberania da Autoridade Palestina de Arafat. Divididos, membros do governo israelense apoiaram a idéia vendo nela o histórico reconhecimento de Israel pelos Estados Árabes.

Críticos da proposta, entre eles Ariel Sharon, afirmaram que ela constituiria um perigo para a segurança de Israel, não assegurando o fim dos confrontos. Na seqüência de violentos e constantes enfrentamentos entre o exército de Israel e grupos palestinos, Sharon declara Arafat inimigo de Israel e determina o bombardeio da cidade de Ramallah, confinando o líder palestino nas ruínas do que sobrou do prédio da Autoridade Palestina.

Em 2002, George Bush e Ariel Sharon, numa tentativa de enfraquecer a liderança política de Arafat, articulam sua substituição por Mahmoud Abbas, membro do parlamento palestino. Mas devido ao grande apoio e prestígio internacionais e com medo de transformá-lo num mártir da causa palestina, Israel é obrigado a aceitar a sobrevivência de Arafat.

Cercado por tropas israelenses, recluso nas ruínas, vivendo em péssimas condições de higiene, ele é acometido por uma grastroenterite em outubro de 2003. Decorrido um ano, o líder palestino resistiu à doença em seu exílio, dentro de seu país, sem nunca se entregar até que, em 27 de outubro passado, médicos palestinos das Forças Armadas diagnosticaram uma nova e fatal gastroenterite, transferindo-o para um hospital.