Título: Nova chance no processo de paz
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Fonte: Gazeta Mercantil, 12/11/2004, Internacional, p. A-8

O ônus da retomada está nas mãos de George Bush, de Ariel Sharon e do novo líder palestino. A morte de Yasser Arafat, ontem, poderia representar uma oportunidade de ouro para se retomar o processo de paz no Oriente Médio, mas especialistas advertem que os protagonistas precisam agir rapidamente para não desperdiçar a melhor chance em anos.

O ônus da retomada do processo de paz está nas mãos de três pessoas - o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, e aquele que emergir como o novo líder palestino. As negociações dependerão de atitudes dos três - propostas de paz de Bush, ações palestinas para conter a violência e uma medida de Sharon para interromper a construção em assentamentos judaicos em terras ocupadas da Cisjordânia. As maiores provas serão o compromisso de Sharon com a retirada israelense da Faixa de Gaza, a reação dos militantes palestinos à nova liderança e a capacidade desta em construir uma base sólida e evitar o caos. Potencialmente, a morte de Yasser Arafat destravou a situação. Ela criou uma oportunidade que será desperdiçada se os israelenses ficarem só observando", afirmou Rosemary Hollis, chefe do centro de estudos Chatham House, em Londres.

Os palestinos também estão sob pressão. Eles têm de provar que a acusação israelense de que "nunca perdem a chance de perder uma chance" de obter a paz é falsa. "Os palestinos precisam admitir que Israel está aqui para ficar", disse o ex-premiê israelense Shimon Peres ao jornal Le Monde.

Israel e Bush viam Arafat como o principal obstáculo ao fim de décadas de conflito no Oriente Médio. Bush qualificou sua morte como "um momento significativo na história dos palestinos" e afirmou, sobre as perspectivas de paz: "Temos uma chance". É claro que muita coisa depende de quem será o novo líder palestino.

O primeiro-ministro Ahmed Qurie e o ex-premiê Mahmoud Abbas são os maiores candidatos a suceder Arafat. Ambos são moderados e considerados favoráveis ao "mapa do caminho", plano de paz patrocinado pela Casa Branca. O ministro palestino Saeb Erekat disse que é vital que Bush, a Europa e Israel façam todo o possível para permitir a realização de eleições. "Se tivermos eleições, quem quer que seja o líder terá legitimidade... Se não tivermos (eleições), temo que pendamos cada vez mais para o caos".

Alguns analistas políticos afirmam que Bush poderia fazer da paz no Oriente Médio o maior objetivo de seu segundo mandato como presidente, mas outros avaliam que isso traria grandes riscos. O antecessor de Bush, Bill Clinton, chegou perto de um acordo em 2000, com a presença de Arafat e do então premiê israelense Ehud Barak. Um mês depois, após a posse de Sharon, a região mergulhou na violência que perdura até hoje.

Robert Malley, que foi assessor de Clinton para o Oriente Médio, disse a uma rádio francesa que Bush não tinha uma visão clara de como obter a paz. "Será que o presidente Bush terá a coragem política para colocar sobre a mesa suas idéias, suas propostas, com apoio internacional? É só assim que podemos colocar o processo no caminho certo e garantir que a sucessão palestina ocorra de modo positivo", afirmou Malley. Muitos árabes, por outro lado, vêem Sharon como o maior obstáculo á paz. Eles duvidam de que ele tome as medidas que consideram necessárias para a paz, como o desmantelamento de assentamentos judaicos na Cisjordânia, em terras ocupadas por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Outros empecilhos significativos são o destino de Jerusalém - que ambos os lados querem controlar - e as divergências sobre o direito dos refugiados palestinos de voltar às suas casas, que hoje ficam no Estado israelense, criado em 1948 em áreas da Palestina, que era dominada pela Grã-Bretanha.

O novo líder palestino terá que conter a ação de militantes que prometem continuar apelando à violência para conseguir o estabelecimento do Estado palestino, e ainda pode enfrentar uma dura batalha sucessória e o caos em Gaza e na Cisjordânia.

Há muita coisa em jogo, mas para muitos líderes mundiais e observadores internacionais a ausência de Arafat é um momento decisivo para colocar à prova o compromisso de todos os lados envol-vidos nas negociações. Todos os que vinham alegando que ele (Arafat) era o principal obstáculo á paz agora precisam mostrar que (agora) podem negociar", disse o analista Hollis.

kicker: Sharon deve retirar os israelenses de Gaza e os palestinos, evitar o caos