Título: O Líder da modernidade
Autor: Elaine Bittencourt
Fonte: Gazeta Mercantil, 12/11/2004, Fim de Semana, p. 1

O "Galo" entretanto, escapou de um ataque mais feroz. Em um episódio que chocou a opinião pública, oito telas foram rasgadas, inclusive "Mendigos", um presente de Tomaz Santa Rosa a Kubitschek, tela que, mesmo restaurada, ainda hoje guarda a marca do ataque, como se pode comprovar na mostra. Muito se discutiu sobre as razões da destruição. Aversão à arte moderna ou interesses políticos envolvidos? Oswald de Andrade, em "A Gilete e o pincel" - uma das crônicas inéditas que compõem a obra "Feira das Sextas", que acaba de ser lançada pela editora Globo (200 págs., R$ 32) - resume o clima conturbado do evento e conclui: "O caso foi e está sendo considerado o fruto da selvageria fascista que procurou dominar o mundo e que hoje agoniza (...)".

Nem fascismo, nem nazismo. Há pouco mais de um ano, a filha de artista Martha Loutsch, encontrou entre os livros da mãe, uma anotação sobre o caso. Segundo o texto, a violência teria sido provocada involuntariamente pelo próprio Oswald de Andrade, ao criticar o escritor francês Georges Bernanos, acusando-o de estar no Brasil para fugir do alistamento militar na Segunda Guerra. "Minha mãe estava sentada próxima do filho de Bernanos e viu quando ele se levantou com uma raiva muito grande", conta Dominique Bouffis. Segundo ela, a mãe escreve que, revoltado, Yves Bernanos teria rasgado os quadros. É mais uma teoria entre as tantas já consideradas.

As controvérsias e os debates só beneficiaram os planos de JK. Belo Horizonte finalmente começara a respirar um pouco do espírito modernista que já contagiara São Paulo e o Rio de Janeiro nas duas décadas anteriores.

Mas, como demonstra o segundo módulo da exposição, "JK e as artes", o projeto desenvolvimentista era ainda embrionário. Mesmo assim, 1944 foi um ano de relação intensa do prefeito com as artes. Realiza exposições internacionais, inicia a construção do Teatro Municipal de Belo Horizonte; convida o musicólogo alemão Francisco Curt Lange para organizar uma discoteca e ajudar na criação de uma orquestra sinfônica. Chama também Guignard para fundar a Escola de Arte Moderna, que revelaria uma nova geração de talentosos artistas, como Amilcar de Castro.

Seu interesse pelas artes visuais e também pela música era inegável. Integrado ao meio, convivia com artistas e mecenas como Assis Chateaubriand e Yolanda Penteado. Antenado, enfrenta o desafio de levar para Belo Horizonte algumas das peça apresentadas na I Bienal de São Paulo, em 1951. Assim, no ano seguinte, as obras compõem a "Exposição Internacional de Arte Moderna". A Bienal surgia como uma grande oportunidade de atualização e JK, ciente disso, comparece às inaugurações da 2ª (1953), 4ª (1957) e 5ª (1959) edições do evento. Em "O Olhar Modernista de JK" painéis fotográficos e uma cronologia desenvolvida especialmente para a mostra detalham as realizações do político na área cultural enquanto prefeito (1940-1945), governador de Minas Gerais (1951-1955) e presidente (1956-1960). Um panorama que deixa transparecer que o político, cada vez mais maduro, investe em desafios ainda maiores, alguns considerados impossíveis, como a meteórica construção de Brasília.

Em texto produzido para o catálogo da mostra, o crítico Marcus de Lontra Costa escreve que, durante o mandato de governador, JK intensifica seu trabalho com Niemeyer, consolidando a dinâmica parceria. "Ao mesmo tempo, Juscelino amplia seus conhecimentos e estrutura seu discurso afirmando o modernismo como meta e a industrialização como estratégia", escreve Lontra. Comprova isso o discurso proferido pelo governador na inauguração da "Exposição Internacional de Arte Moderna de Belo Horizonte", em 1952: "Uma nação se firma através de sua arte e de sua cultura. Impõe-se pelo desenvolvimento industrial, pelas conquistas da técnica, pelo progresso das instituições. Mas somente a arte retrata a sua alma e lhe configura a fisionomia moral."

São muitos os projetos em tantos anos de vida pública. "Fiquei impressionada em descobrir o quanto ele se interessava pela arte. Foi o presidente que mais se preocupou com isso", afirma Denise. Ela não se refere apenas ao incentivo à arquitetura. Kubitscheck foi, por exemplo, um dos responsáveis pela cessão do terreno para a construção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

São várias também as ações em relação ao cinema e à música. Não por acaso, é durante a "Era JK" que floresce a bossa nova, o Teatro de Arena, o cinema novo, a poesia concreta (criada sob a inspiração direta de Brasília). Como lembra Roberto Menescal, também citado no catálogo: "Havia um clima de euforia. A campanha nos jornais dizendo que o petróleo era nosso, o carro era nosso. Era uma campanha forte que acabou chegando às artes".

A publicidade, enfim, fazia parte do projeto desenvolvimentista de Kubitschek. Exatamente por isso, ela se insere na exposição no terceiro módulo da mostra. Ali, um vestido de Martha Loutsch, assim como cartazes de época tentam mostrar ao público um pouco do espírito de então. "É importante que as pessoas percebam o que acontecia no cotidiano das pessoas, para compreender a história do pensamento humano. A publicidade é um referencial fantástico do pensamento humano", diz Denise.

Ainda que o foco da mostra seja JK e o modernismo, a curadora abriu espaço para uma homenagem especial. Uma das salas é dedicada à única artista de Minas Gerais escolhida por Guignard para compor a I Exposição de Arte Moderna. Alemã radicada no Brasil, Martha Loustch escolheu viver em Sabará. Tinha sólida formação cultural e uma paixão intensa pelo Brasil. Ao apresentar 32 de suas obras, a curadora tenta trazer de volta à tona uma artista de grande talento, que por seu próprio estilo reservado, é hoje pouco conhecida.

Martha não é a única desconhecida da mostra. Muitos dos artistas escolhidos por Guignard acabaram caindo no esquecimento, ou simplesmente são obscurecidos pelos colegas mais talentosos. Foi extremamente difícil, por exemplo, encontrar obras de Hans Etz e Fernando Fan, sobre os quais há pouquissímas referências.

A presença destes artistas na mostra de 1944 evidencia uma característica da personalidade de JK que encontrou eco no talento e na generosidade de Guignard: o apoio aos jovens artistas. O político gostava de apostar no novo, o olhar sempre voltado para o futuro. Ao conceber esta mostra, Kubitschek se mostrou tão arrojado na arte quanto na política. Ousava, correndo todos os riscos. Esta ótima remontagem da exposição confirma o que os brasileiros de tantas décadas atrás já sabiam. O presidente bossa-nova tinha a modernidade na alma.