Título: Fecomercio do Rio defende interiorização dos negócios
Autor: Sergio Aguiar
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/11/2004, Política, p. A-8

A região metropolitana da capital concentra 77% do PIB do Estado. Interiorização da economia do Estado do Rio de Janeiro, redução e simplificação da carga tributária, fortalecimento das micro e pequenas empresas e estímulo ao associativismo: estes são os quatro pontos essenciais da Carta de Teresópolis, documento que a Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ) acaba de lançar, como resultado do encontro de empresários do comércio de bens e serviços realizado há pouco naquela cidade.

Ao defender estes postulados, o presidente da entidade, Orlando Diniz, enfatiza o excepcional papel que as micro e pequenas empresas vêm realizando na economia brasileira, inclusive pela capacidade de produzir postos de trabalho. Mas adverte para o cipoal de dificuldades que pesam sobre o setor que, em suas palavras, congrega "os mais numerosos, ousados e promissores empreendedores, e que também constituem o contingente mais vulnerável da cadeia produtiva".

Gazeta Mercantil - Qual é a participação do comércio na economia do Estado do Rio?

Orlando Diniz - O comércio de bens e serviços representa mais de 370 mil empresas, em sua grande maioria de micro e pequeno portes. Responde por cerca de 30% do PIB do Estado do Rio de Janeiro e gera quase 1,8 milhão de postos de trabalho, o que significa mais de 60% dos empregos formais em todo o Estado.

Gazeta Mercantil - Essa potencialidade econômica tem sido reconhecida?

Diniz - A potencialidade é reconhecida não só pela sociedade civil como também pelas esferas do governo com as quais temos desenvolvido proveitosas parcerias. Uma de nossas preocupações tem sido sustentar esses pleitos e sugestões com o máximo de informações para facilitar a discussão e a viabilização dessas parcerias. Não desejamos privilégios, mas condições para tornar o comércio de bens e serviços cada vez mais forte. Com esse propósito, acabamos de encaminhar ao Governo do Estado a Carta de Teresópolis, que nasceu de um encontro de empresários do nosso setor realizado recentemente naquela cidade serrana.

Gazeta Mercantil - O que significa a Carta de Teresópolis?

Diniz - O documento exprime os anseios do setor, com vistas à dinamização das atividades empresariais, ao fortalecimento da economia do Estado do Rio, à incorporação de novos agentes à cadeia produtiva, com geração de emprego e de renda, e à melhoria das condições de vida da população. Enfim, a Carta de Teresópolis sintetiza alguns postulados capazes de impulsionar e de acelerar o desejado progresso do Estado.

Gazeta Mercantil - Quais são esses postulados?

Diniz - Em essência, resumem-se a quatro capítulos que se desdobram em vários outros temas: interiorização do desenvolvimento; fortalecimento das micro e pequenas empresas; redução e simplificação da carga tributária; e estímulo ao associativismo. Através deles, procuramos apontar caminhos e sugerir iniciativas capazes de harmonizar desenvolvimento econômico, inclusão social e respeito ao meio ambiente. As recomendações da Carta de Teresópolis agregam a experiência e o conhecimento do segmento empresarial com maior potencial de crescimento rápido e consistente, quando sustentado em bases adequadas ao seu porte contributivo, à sua expressiva capacidade multiplicadora de riquezas.

Gazeta Mercantil - Qual a importância da interiorização para um estado com as características do Rio de Janeiro?

Diniz - A interiorização da nossa economia leva em conta o quadro de extrema saturação que caracteriza, hoje, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Nela se concentram 76% dos habitantes do Estado, 77% do PIB, 85% do poder de compra da população e 91% da arrecadação de ICMS. Este quadro mostra a necessidade de implantação de um abrangente programa de descentralização das atividades produtivas, respeitando e privilegiando as vocações de cada região. A descentralização da criação de riquezas e de novas posições de trabalho possibilitará reduzir desequilíbrios regionais e as desigualdades sociais, além de manter a população em seus municípios de origem, com a melhoria da qualidade de vida, evitando a migração do interior e da área rural para os grandes centros. Este potencial é atestado pelo sucesso dos empreendimentos que já tomaram o rumo do interior e pela atração de novos projetos para as áreas contempladas, e que ainda se acham longe de esgotar a capacidade de crescimento. A interiorização do desenvolvimento também significa fortalecimento e expansão do mercado consumidor.

Gazeta Mercantil - A interiorização significará o fortalecimento das micro e pequenas empresas?

Diniz - Sem a menor dúvida. O fortalecimento das micro e pequenas empresas requer a adoção de uma série de providências que não podem ser postergadas. Afinal, os pequenos empreendedores detêm o maior potencial de crescimento econômico e de inclusão social do País. Algumas medidas de apoio já foram adotadas, mas as micro e pequenas empresas ainda se acham submetidas a um cipoal de dificuldades. Elas são obrigadas a enfrentar a falta de crédito, altíssimas taxas de juros, enorme carga tributária e um emaranhado de 20 mil leis ordinárias e 200 complementares, sem falar na multi-plicidade de decretos, regulamentos e portarias, muitas vezes conflitantes. Em conseqüência, mais da metade desses empreendimentos não consegue completar três anos de existência e um terço fecha antes do primeiro aniversário. Isto reflete uma realidade perversa, na qual os mais numerosos, ousados e promissores empreendedores constituem o contingente mais vulnerável da cadeia produtiva.

Gazeta Mercantil - Qual é, então, o grande entrave ao desenvolvimento desse setor?

Diniz - A falta de acesso ao crédito. O crédito é, sem dúvida, o oxigênio que mantém as empresas vivas e atuantes. Sobretudo no comércio de bens e serviços, que depende essencialmente de financiamento tanto para a sua própria atividade, quanto para os clientes. No entanto, como as organizações de grande porte são aquelas de maior acesso ao crédito, a melhoria do desempenho econômico ainda se acha fortemente concentrada. É preciso oferecer às micro e pequenas empresas condições semelhantes às das grandes. Elas continuam aguardando que os mecanismos de agilização e desburocratização ao crédito sejam efetivamente disponibilizados.

Gazeta Mercantil - Em que medida a burocracia dificulta as micro e pequenas empresas?

Diniz - É incalculável o efeito maléfico do cipoal burocrático na vida dessas empresas. Precisamos reduzir o excesso de exigências administrativas. Um instrumento eficaz na desburocratização do ambiente econômico onde atuam as empresas do comércio de bens e serviços seria a adoção de cadastro único, de modo a que uma inscrição servisse, automaticamente, como registro nos níveis federal, estadual e municipal. A medida simplificaria a abertura e a baixa das empresas, assim como seu funcionamento cotidiano. Esta questão remete às grandes diferenças de definições de micro e pequena empresas nas esferas municipal, estadual e federal. O desacordo de enquadramento gera altos custos na gestão dos estabelecimentos de menor porte, muitas vezes anulando benefícios fiscais derivados de sua condição de micro ou pequena empresa. Esta dificuldade seria minimizada com a adoção de um critério unificado na definição da micro e pequena empresa, sobretudo quanto aos valores de enquadramento. A regra deveria englobar dispositivos de atualização anual desses valores, para refletir a evolução da economia como um todo.

Gazeta Mercantil - O que seria indispensável fazer para apoiar a micro e pequena empresa?

Diniz - É necessidade urgente libertá-las dos entraves burocráticos, das dificuldades de creditícias e da asfixia fiscal. As medidas de apoio às micro e pequenas empresas podem ser resumidas numa só palavra: simplificação. É preciso, portanto, simplificar as exigências administrativas tanto para registro das firmas quanto para manutenção dos negócios; eliminar o descompasso da tributação federal, estadual e municipal; redirecionar a fiscalização, tornando-a mais orientadora que repressiva; flexibilizar as relações de trabalho; e, obviamente, facilitar o acesso ao crédito, além de praticar juros suportáveis.

Gazeta Mercantil - E a questão da carga tributária?

Diniz - Não apenas o comércio, mas todos os setores produtivos sofrem as conseqüências de uma das maiores cargas tributárias do planeta. A questão engloba várias vertentes e as três esferas do governo. A recente reformulação da Cofins e do PIS, que tiveram alíquotas aumentadas em mais de 150%, provocou distorções no processo de arrecadação, sobretudo para o setor de serviços. Feriu o princípio da isonomia tributária, beneficiando alguns segmentos em detrimento de outros, que acabaram fortemente prejudicados.

Gazeta Mercantil - O senhor costuma mencionar o associativismo como uma das bandeiras da Fecomercio-RJ. Por quê?

Diniz - É fundamental estimular o associativismo no Brasil e, particularmente, no Estado do Rio de Janeiro, por meio da criação de instrumentos capazes de colocar as micro e pequenas empresas em posição cada vez mais competitiva. Dar-lhes condições para enfrentar um mercado regido pela alta capacitação e pelas avançadas tecnologias. Assim, é necessário não somente difundir as vantagens das ações coletivas, mas também estimular e facilitar a cooperação entre empresas, a exemplo dos chamados Arranjos Produtivos Locais - APLs, baseados no conceito da aglomeração espacial de agentes econômicos, políticos e sociais, com o objetivo de potencializar e estabelecer sinergias de comportamentos.

Gazeta Mercantil - Nesse contexto, qual a sua opinião sobre as cooperativas de crédito?

Diniz - Defendemos firmemente a criação e implantação de cooperativas de crédito, como alternativa à dependência do sistema bancário convencional. Elas devem ser estimuladas especialmente em benefício das micro e pequenas empresas, como instituições de fomento às atividades produtivas. As cooperativas são poderosas ferramentas de apoio e suporte na gestão do crédito, com reduzidos custos operacionais e flexibilidade para os associados.