Título: "Só pela educação se sai da pobreza"
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Fonte: Gazeta Mercantil, 16/11/2004, Nacional, p. A-4

Presidente da Vale por duas vezes, Batista busca hoje soluções para a economia brasileira via infra-estrutura. Aos 80 anos de idade, Eliezer Batista, ex-ministro de Minas e Energia do governo João Goulart (1961-1964) e por duas vezes presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), diz ter a convicção de que apenas pela educação o Brasil sairá da pobreza. Atualmente ele vem se dedicando a encontrar soluções capazes de dar estabilidade à economia brasileira via infra-estrutura associada à logística, transformando uma distância física em distância econômica.

Na primeira vez em que presidiu a Vale, em 1961, viabilizou a idéia e a estatal tornou-se uma das primeiras companhias a ser concebida como um sistema globalmente integrado de logística, operando não apenas minas mas também ferrovia, instalações portuárias e uma frota de cargueiros de minério e petróleo. O mesmo foi feito em Carajás, numa segunda passagem pela presidência da empresa (1979-1986).

De uma sala da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), onde é consultor, Batista falou, com exclusividade a Bertholdo de Castro, editor da revista Conjuntura Econômica ¿ Fundação Getúlio Vargas (FGV), de estudos e projetos de infra-estrutura para integrar o país e a América do Sul. A edição com Eliezer Batista circula a partir desta semana. Abaixo, os principais pontos da entrevista.

Logística

Acho que a estabilidade da economia depende de infra-estrutura e infra-estrutura, basicamente, é logística. Quando a gente está falando em logística está falando door to door integrated logistics (logística porta a porta), que é o conceito moderno que trabalha com uma noção de custo. A palavra logística vem do grego logistikós e quer dizer aquele que sabe calcular racionalmente. Isso significa que logística envolve precisão e economia. Trata-se da noção de custo para levar um objeto de um ponto a outro, incluindo gastos com transportes, armazenagem, manipulação portuária, distribuição, telecomunicação, etc. Portanto, é uma coisa muito mais ampla do que normalmente é entendida. E sem um funcionamento eficiente, eficaz, dessa logística, você compromete todo o processo de exportação que é vital para o equilíbrio das contas externas.

Hoje, você tem gargalos colossais como os anéis ferroviário e rodoviário de São Paulo, o acesso do Rio ao Porto de Sepetiba, os portos de Santa Catarina e outros portos que têm que ser melhorados e modernizados, além de novos a serem construídos na Região Amazônica, para atender a produção que se desenvolve, sobretudo de soja e de milho, na parte Norte do Brasil.

Carajás

Através da combinação simultânea de sistemas de transporte e de suprimento de energia e de linhas e redes de telecomunicações, os cinturões de desenvolvimento multimodais podem minimizar o custo da construção destas redes individual e separadamente e também o potencial de prejuízo ambiental. Em cada cinturão, os planejadores devem analisar todos os três elementos ¿ transportes, energia e telecomunicações ¿ para assegurar que sejam atendidas todas as exigências de modernização.

Veja o tremendo desenvolvimento da região de São Luís, Maranhão, com siderurgias. É um exemplo desse negócio. Agora você vê os estaleiros importantes que vão ser instalados em Suape, Pernambuco. E o Nordeste deverá melhorar consideravelmente com a questão do suprimento de gás, que vai modificar em muito a economia de toda aquela região. Da mesma maneira, a Bahia está se desenvolvendo. Esse cinturão Norte, que é o mais atrasado, está também em desenvolvimento.

O melhor exemplo é São Luís, influenciado pelo Projeto Carajás. Quanto à Região Amazônica, ela está dentro deste contexto. A Amazônia, que já tem um porto em Santarém, Pará, para a soja, terá outros novos portos, fora o de Vila do Conde, também no Pará, para o escoamento da produção de alumínio produzido no complexo industrial da Albrás/Alunorte. Enfim, tudo isto concorre para reforçar a região, porque na Amazônia os belts (cinturões) são os próprios rios, porque é a maneira de respeitar o meio ambiente e aproveitar uma via de transporte natural.

Assim, ao longo dos rios você vai ter um desenvolvimento importante, como a localização desses portos no Amazonas demonstrará. Já tem portos novos, como os de Santarém (Pará) e Itacoatiara (Amazonas), que estão em funcionamento exportando soja.

Tem outros portos em projeto e na Amazônia você vai ter enorme desenvolvimento na área de bauxita e alumina, com a expansão da Alunorte e da Albrás, e agora o grande projeto da Paragominas com a China está mostrando tudo isso que ninguém acreditava nesse konzept (projeto, conceito). Quem é que acreditava em Carajás? Hoje, é um projeto que todo mundo entende e que abriu enormes perspectivas para o Brasil.

Na época da inauguração, uma publicação, americana ou inglesa, editou uma matéria dizendo que o mundo não precisava de Carajás. Foi o Financial Times e outras que fizeram artigos de várias páginas dizendo que era outra loucura do tipo Ludwing (Projeto Jari). Mas você ainda tem usinas de aço no interior do Pará que também vão exportar por São Luís. Mais ainda: com a construção da eclusa de Tucuruí, a navegação fluvial poderá ir de Marabá até Vila do Conde ou até Belém por via hídrica.

Integração latino-americana

A integração econômica do continente vem sendo buscada. A integração política da América do Sul, sob diferentes aspectos, tem sido ventilada através dos anos. Muito pouco, contudo, em termos de geoeconomia (economia física). Entretanto, a passagem do discurso para a realidade encontrou sempre o grande obstáculo: a falta de infra-estrutura adequada entre os diferentes países. Em 1992, na Secretaria de Assuntos Estratégicos, começamos a abordar a questão do gás boliviano para o uso em termoelétricas no Brasil e, aí, esbarramos no primeiro grande obstáculo: a infra-estrutura com os seus diferentes componentes.

Desde o acordo de Roboré (petróleo) até então, muitas tentativas foram esboçadas, sem contudo chegar a um ponto de decolagem. Os desafios da energia para Manaus, a interligação do sistema termoelétrico da Argentina com o hídrico do Brasil, assim como a navegação fluvial (Paraná-Paraguai e Madeira) nos levaram a sistematizar a aproximação dos proble-mas e em outros itens de escala sul-americana. O interesse despertado, tanto na área privada como na governamental, levou à materialização subseqüente de alguns desses projetos, como, por exemplo, o gasoduto Bolívia-Brasil assinado em 1993.

Neste período o Brasil se achava estudando a sua integração econômica em paralelo com o que já vinha acontecendo no restante do continente com apoio da Corporação Andina de Fomento (CAF). Entretanto, somente em 1994, foi elaborado o primeiro documento da integração física da Infra-estrutura da América do Sul, em termos de desenvolvimento sustentável.

Foram necessárias algumas modificações conceituais no que concerne à infra-estrutura moderna sobretudo na área de tecnologia de informação e comunicações, logística integrada de porta a porta, etc. (embora logística seja considerada uma noção, custos figura aqui como englobando os interesses viários, portuários, etc.), para efeito de facilitação e divisão econômica do território. Desta forma, no documento os pilares da infra-estrutura foram assim explícitos, por questões práticas, em capital humano, telemática, logística e energia sob todas as formas, tratados simultaneamente quando possível.

O primeiro esforço de aplicação verificou-se no governo Fernando Henrique, no Brasil em Ação, na sua aproximação básica, que posteriormente evoluiu, no segundo período, para o Avança Brasil.

Vetor geopolítico

Houve aqui um distanciamento da filosofia original de curto prazo com a América do Sul, que gerou o segundo esforço do governo, desenvolvido pelo retorno à integração física original, mas agora com o vetor geopolítico (e geoestratégico) com a criação da Iniciativa para a Integração de Infra-estrutura Regional da América do Sul (IIRSA), em reunião de todos os presidentes dos países do continente em Brasília. Estabelecido a IIRSA, com apoio da CAF e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), criou-se uma dinâmica própria, reforçada com uma colaboração mais estreita entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a CAF. Assim, os eixos de integração e desenvolvimento apoiados em sete processos setoriais de integração, que no processo geral dá início pela integração produtiva nas áreas de implantação dos eixos, sem perda do foco geoeconômico.

O futuro do Brasil

O futuro do Brasil... você não se iluda porque não tem nenhum país que ficou rico com matérias-primas. Você tem que pensar, antes de mais nada, a longo prazo. E pensando a longo prazo você começa com educação. As novas gerações é que vão transformar o Brasil. As gerações velhas não vão não. Está aí demonstrado que não vão. Isso começa com a educação e a motivação da juventude educada. Como a China está fazendo. Só que a China está fazendo isso dentro de um regime autocrático. E nós estamos querendo fazer democraticamente. O tempo é contra nós, nesse caso, mas é a única maneira que você tem de fazer. Com isso, você tem de ir capitalizando nos seus recursos primários, mas tendo em vista que os estou usando e os exportando cada vez mais para capitalizar, para passar para o segundo estágio que é de valor agregado intenso, que a China está fazendo, mas que depende de educação em massa. Não vou parar de exportar matérias-primas nem commodities, mas isso não é o meu futuro. O meu futuro é capitalizar naquilo que eu possa gerar dólares ou moedas fortes, para educar e partir para um outro patamar de desenvolvimento baseado em valor agregado intensamente. Senão nós não saímos da miséria.

Agora, ninguém tem coragem de enfrentar este problema como a China está fazendo. Isso aqui é a nossa decisão política e faz de qualquer maneira. Se você não fizer assim, não vai sair nada. As coisas em que nós nos metemos saíram. O que dependia de nós.

O porto de Tubarão. A Vale do Rio Doce. A Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST). Tentamos a Bethlehen, depois o grupo Rocca (Argentina), a Thyssen e acabamos com a Kawasaki e os italianos (Finsider). O projeto da Aracruz Florestal foi também iniciado, assim como a navegação fluvial no Brasil, a integração energética hídrica com térmica entre Argentina-Brasil, e aquele projeto já mencionado do Rio Madeira. No entanto, isso não resolve o problema do Brasil. Mas nas áreas que a gente tinha acesso e uma certa liberdade de ação e tinha players ajudando, conseguimos. Onde você não tem nada disso e ainda tem um pessoal trabalhando contra, como é que você vai fazer? Com o Porto de Sepetiba nós gastamos dez anos para chegar aonde chegou, para fazer um porto de granéis, um porto de contêineres.

Sem educação a coisa não vai. Fica-se martelando as mesmas besteiras de 50 anos atrás. Não se faz isso; não se faz nada. É uma tristeza. Na minha idade, você olha para trás, dá pena de ver que essa pobreza a gente que cria.