Título: Acordo prevê investimento de US$ 10 bi
Autor: Riomar Trindade
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/11/2004, Nacional, p. A-5

Considerada economia de mercado, China promete negócios que podem render US$ 1 bilhão ao ano. O Brasil concedeu à República Popular da China o status de economia de mercado - uma decisão política que já mereceu o repúdio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) -, em troca de negócios que poderão render cerca de US$ 1 bilhão por ano e promessa de investimentos de US$ 10 bilhões até 2007. A pressão dos negociadores chineses foi enorme, conforme reconheceu o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, e coloca o governo de Pequim em pé de igualdade com outras potências comerciais dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil foi o primeiro grande país a tomar essa decisão e, diante da postura contrária da influente indústria paulista, precisa trabalhar pesado para transformar em divisas os acordos comerciais celebrados na última sexta-feira.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hu Jintao estabeleceram a meta de dobrar, até 2007, o volume das trocas comerciais entre os dois países. O objetivo é fazer a corrente de comércio chegar a US$ 20 bilhões por ano. Pela primeira vez este ano o comércio bilateral Brasil-China vai superar a marca de US$ 10 bilhões. Na sexta-feira, foram assinados onze acordos, protocolos, tratados e memorandos entre os governos de Brasília e Pequim. Depois do memorando de comércio e investimento que reconhece o status de economia de mercado para a China, os documentos mais importantes se referem a questões comerciais, agropecuárias e a parceria entre a Embraer e uma fabricante chinesa de aviões.

Na área do agronegócio, o Brasil conseguiu flexibilizar as condições sanitárias e veterinárias para a exportação de carne bovina desossada - incluindo miúdos - e de frango. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, estima que esses dois itens acrescentarão à balança comercial brasileira US$ 150 milhões por ano a partir de 2005. O governo tem a expectativa de que este valor chegue a US$ 800 milhões em três anos. Os acordos prevêem que a China exportará para o Brasil carne suína e de aves processadas, além de tripas de suínos e pescados. Para definir as questões agrícolas, os dois países criaram um grupo de trabalho que tratará de temas como soja e derivados, frutas e suco de laranja.

Segundo uma fonte do Itamaraty, a principal preocupação brasileira é evitar que a China crie normas de qualidade que impeçam a venda de produtos brasileiros, como soja. Este ano, os chineses barraram a entrada de soja brasileira, com base em padrões de qualidade que o Brasil considerou injustificados.

No setor de turismo, o acordo prevê que operadoras brasileiras possam negociar na China pacotes com destino ao Brasil. E haverá maior facilidade nos dois países para a concessão de vistos. O ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, garantiu que o intercâmbio entre os dois países para a fabricação de um satélite está definido, adiantando ainda que o projeto está previsto para 2006 e custará US$ 89 milhões.

"A República Popular da China não é, absolutamente, uma economia de mercado. A constatação desse fato tem permitido às empresas brasileiras provar suas perdas com importações feitas a preços de dumping. Ao confrontar os valores de mercado praticados internacionalmente, essa realidade fica bem clara", diz a nota da Fiesp.

"A indústria paulista e a brasileira foram colocadas em posição de vulnerabilidade. Em maio de 2004, a Fiesp já havia manifestado, com a divulgação de estudos técnicos, suas preocupações com a concorrência desleal chinesa e suas conseqüências prejudiciais a vários setores da indústria", acrescenta. E finaliza: "A súbita decisão governamental conta com a desaprovação da indústria de São Paulo".

Economia de mercado ou economia em transição, status atual da China em quase todos os países - a exceção da Nova Zelândia e de alguns vizinhos asiáticos - não significam apenas jargões para regular o comércio. Os países com status de economia em transição são muito mais vulneráveis às barreiras antidumping, mecanismo de restrição à importações permitido pela Organização Mundial do Comércio.

Atualmente, o Brasil tem uma dúzia de medidas antidumping contra a China. Embora o ministro Luiz Fernando Furlan tenha afirmado que a concessão não representa que o Brasil abrirá mão das defesas comerciais, o próprio ministro reconheceu que a China poderá usar as normas da OMC para economias de mercado tão logo o novo status seja reconhecido.

kicker: Lula e Hu Jintao estabeleceram a meta de, até 2007, dobrar o volume das trocas comerciais

kicker2: Empresariado brasileiro teme perdas com importações feitas a preços de dumping