Título: A crise do Legislativo que pára os negócios
Autor: Sérgio Prado
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/11/2004, Política, p. A-9

A disputa nas duas Casas emperra os investimentos e limita a criação de emprego e renda. A crise dentro do Legislativo vai muito além do mundo complicado da política. Esta disputa afeta a vida real do País, emperra os investimentos das empresas, e a criação de emprego e renda para milhões de pessoas. Tudo pelo fato de que muitos projetos futuros dependem de votações de deputados e senadores, rebelados contra o Executivo por causa das emendas parlamentares e da proposta para dar direito à reeleição das presidências da Câmara e Senado.

Os exemplos de temas importantes para que o Brasil volte crescer, e estão parados, são inúmeros. Muitas leis tem nome complicado, que a maioria da população desconhece, mas que vão influir no cotidiano de muita gente no futuro (veja quadro nesta página).

Alternativas

Uma das alternativas para resolver os sérios problemas da infra-estrutura passa pela Parceria Público-Privada (PPP), dizem empresários, governantes e líderes políticos. Mas o texto ficou o ano todo travado no Senado. Primeiro por causa da eleição, agora pela briga entre os partidos.

A necessidade de investimento é de US$ 20 bilhões ao ano em saneamento, energia, óleo e gás, transportes, saneamento e telecomunicações, setores que por si só geram muitos postos de trabalho e movimentam outros segmentos como a construção civil e a indústria de máquinas e equipamentos. Este cálculo é da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base (Abdib).

O empresário Paulo Godoy, presidente da entidade, já alertou o governo e congressistas várias vezes de que demora na aprovação do projeto prejudica de forma irremediável o crescimento da produção. Segundo ele, mesmo que o projeto das parcerias fosse aprovado até o final do ano, os novos investimentos só começariam a vingar na melhor das hipóteses no segundo semestre de 2005, devido à complexidade dos contratos e licitações. Na semana passada, o atraso na PPP também foi lamentado pelos governantes chineses. Eles afirmam ter US$ 2 bilhões só para investir em transportes à espera de uma lei que regule as parcerias entre o setor público e o privado.

Outro projeto considerado de extrema relevância é a Lei de Falências, que será rebatizada de Lei de Recuperação de Empresas. A tramitação do texto completou 11 anos no Parlamento. Foi discutido à exaustão e a negociação sobre o mérito da proposta está encerrada e quase todas as divergências foram resolvidas, segundo o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Mas apesar de ter sido aprovada pelos senadores no primeiro semestre, ainda espera nova votação na Câmara.

O cerne desta lei é a possibilidade de empresas em dificuldade financeira realizarem acordos com os credores para pagamento de dívidas, sem que precisem entrar em falência. Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que este projeto é essencial para a saúde das empresas e aumento dos empregos no País.

Por outro lado, o ministro da Fazenda Antonio Palocci acredita que também haverá redução dos juros, pois quem empresta dinheiro terá mais garantias para receber de volta. Aliás o custo do dinheiro é apontado por Jorge Gerdau Johannpeter, do Grupo Gerdau, como um dos mais sérios entraves ao crescimento.

O outro é a carga excessiva de impostos. Tanto que na próxima quarta-feira, um grupo de peso-pesados do setor privado se reunirá em Brasília para forçar a retomada da votação da reforma tributária na Câmara. A Ação Empresarial, que é comandada por Gerdau, colocará no centro do encontro a mudança do ICMS e isenção de impostos nos novos projetos industriais.

Já estão confirmados no debate os governadores Geraldo Alckmin (SP), Germano Rigotto (RS) e Aécio Neves (MG), além dos prefeitos Marcelo Deda (Aracajú) e César Maia (Rio). E, é claro, lideranças dos partidos no Congresso. Mesmo que a questão tributária seja predominante, o restante da pauta de votações será alvo de pressão dos empresários. "É indiscutível que esses projetos são de interesse do País e ultrapassam qualquer interesse ou cor de partido", argumenta Gerdau.

Segundo Gerdau, os congressistas precisam encontrar um caminho para o entendimento. Esta é a principal preocupação também do líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN). O parlamentar foi chamado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conversar sobre o impasse. Só falta combinar a hora na agenda.

Na tentativa de melhorar o diálogo, na terça-feira Bezerra vai atravessar a rua que separa o Congresso do Palácio do Planalto para encontrar-se ministro José Dirceu, da Casa Civil. O senador diz ainda que o governo está ciente - e preocupado - com o tamanho das dificuldades de relacionamento dentro da base de sustentação de Lula na Câmara e no Senado.

Fernando Bezerra acrescenta que sem ampla negociação nada será votado até o final (muitas leis apenas trocam de Casa e ficam paradas), pois o problema é político e não tem nada a ver com o mérito das ou relevância das propostas. Aliás, Lula repetiu várias que seu governo seria pautado pelo diálogo, ingrediente apontado agora por seu líder no Congresso como essencial para destravar as votações. "A solução da crise depende da interferência direta do presidente Lula", afirma Bezerra.