Título: Oportunidades no mercado global
Autor: Marcello Berland
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/11/2004, Opinião, p. A3
Grande parte das maiores indústrias do mundo começou suas atividades com as atenções voltadas para seus próprios mercados, ou seja, com atuação local em âmbito nacional. Esta afirmação é válida para diversos setores, tais como automobilístico, eletroeletrônico e de bens de consumo (alimentos, bebidas, higiene e limpeza), entre outros.
Em um dado momento de suas histórias, seja por dificuldades, saturação de seus mercados internos ou por perceberem oportunidades existentes em outros mercados ou ainda por acompanharem as movimentações dos concorrentes, essas instituições diversificam mercados e buscam ampliar atuação para outros países.
De forma bem simplificada, podemos dizer que, para expandirem operações no âmbito internacional, as indústrias faziam um estudo contemplando a análise de potencial de mercado x risco (risco do negócio e risco do País) e o planejamento dos quatro "O" para o mercado, optando ao final por uma das quatro alternativas: a) estruturar a operação no País com instalações fabris; b) estruturar a operação no País importando os produtos; c) procurar um distribuidor ou representante para importar os produtos e gerenciar o mercado; d) não entrar no mercado.
A quebra de paradigma que temos atualmente é que as empresas estão revendo suas estratégias num âmbito global, agrupando os países em clusters. Normalmente, essa classificação considera principalmente a proximidade geográfica. Alguns exemplos mais comuns são a América Latina, Mercosul, Caribe, Oriente Médio, Sudeste Asiático, União Européia, entre outros.
Há, porém, várias empresas que extrapolaram o conceito geográfico, analisando os mercados de acordo com sua importância global ou o potencial de crescimento. Entre os exemplos estão os key markets (países que concentram mais de 10% do faturamento global da empresa) e mercados emergentes (países que devem crescer a taxas médias anuais acima de 4% nos próximos dez anos).
Independentemente do conceito ou critério usado para classificar um país em determinado cluster, o fato é que não se analisa mais operação de um país de forma isolada. Ou seja, quando começam a pensar negócios de forma global, as indústrias consideram no planejamento estratégico tendências e objetivos de cada cluster.
Na mesma medida em que o planejamento estratégico dessas indústrias multinacionais está sendo estruturado por cluster, o gerenciamento das instituições pelo mundo também adota essa referência. E aí começamos a entender impactos que tal movimentação global traz ao dia-a-dia das corporações instaladas no Brasil.
É tendência em muitas empresas a diminuição de autonomia e "poder" que os presidentes de operações nacionais detêm sobre as empresas de seus países, tendo de seguir diretrizes e processos globais, de acordo com o sucesso do cluster em questão.
Assim, decisões sobre manutenção de fábricas, grandes lançamentos de produto, implementação de sistemas ou mesmo grandes reestruturações de headcount tendem cada vez mais a estar acima dos presidentes nacionais da multinacional, necessitando alinhar-se com a estratégia do cluster em que se situa o País.
Apesar de parecer uma ameaça à autonomia que a gestão das grandes multinacionais têm no País, esse processo pode ser uma grande oportunidade para o Brasil. Usando como referência empresas que formam clusters regionais - que hoje são a maioria -, o País tem todas condições para se tornar centro de gestão desses clusters por seu potencial de mercado, extensão geográfica e infra-estrutura.
É natural que qualquer empresa que opere parte de seus negócios na América Latina, América do Sul ou Mercosul considere fortemente centralizar a gestão desse cluster no Brasil. Ou seja, operações de multinacionais dos países de nossos "clusters geográficos", como Argentina, Uruguai, Peru, Chile e Colômbia, passariam a ter as operações reportando-se à unidade brasileira.
Enquanto a tendência ainda não se concretiza pela ótica de uma gestão integrada regional, pelo âmbito fabril já começou. Em vez de se manter uma fábrica em cada país produzindo os mesmos itens, diversas indústrias já otimizaram o parque de produção, gerando escala e especialização nas plantas principais e fechando plantas com maior ociosidade. E esse processo, com a ampliação dos acordos de livre comércio entre blocos e nações, tende a se ampliar ainda mais.
Tendo em vista essa tendência global, para as multinacionais instaladas no Brasil pode ser estratégia interessante a busca de maior aproximação com suas "irmãs" instaladas em países vizinhos, trocando melhores práticas, padronizando alguns processos e, principalmente, ampliando o conhecimento sobre esses mercados. Conseqüentemente, quando o movimento de centralização da gestão se concretizar, a unidade brasileira irá se configurar como a mais bem preparada para assumir o desafio, tornando-se o headquarter regional.
kicker: As multinacionais no País devem preparar-se para a liderança quando a gestão for centralizada