Título: Estrangeiros se armam contra Ancinav
Autor: Márcio Rodrigo
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/08/2004, Mídia & Marketing, p. A-24

Distribuidoras e exibidoras criticam a criação de impostos e taxas sobre filmes e vídeos. Mal o Ministério da Cultura conseguiu se livrar do primeiro mal-entendido que a nova minuta de projeto de lei que cria a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) e as distribuidoras e exibidoras estrangeiras que atuam no Brasil deram início ao segundo round de uma briga que promete mexer com o interesse de todo mercado cinematográfico brasileiro.

Após a acusação de censura e cerceamento da liberdade criativa que a nova agência poderia vir a causar, devido a má redação do artigo 43 do projeto, agora o motivo do litígio são os impostos e taxações que estes duas pontas do mercado sofrerão caso a minuta da Ancinav vá para o Congresso e se torne lei. O Ministério da Cultura (Minc) quer um imposto de 10% sobre todos os bilhetes vendidos nas salas de cinema, cota estendida ao aluguel de home vídeos, e quer que filmes estrangeiros que sejam lançados aqui com mais de 200 cópias sejam taxados em R$ 600 mil. Pela atual legislação, cada título internacional paga R$ 3 mil para ser distribuído, independente do número de cópias.

Em entrevista na última semana, durante o 32 Festival de Gramado, Steve Solot, vice-presidente da MPA (Motion Picture Association) para América Latina, órgão que congrega exibidoras das majors americanas como a Columbia, Warner Bros. e Fox, entre outras, no Brasil e mundo, anunciou que caso o governo insista nos novos impostos, os ingressos e locações de vídeo e DVDs poderão ter um aumento de até 20%. E foi além. Solot acusa o governo brasileiro de não agir com o devido empenho ao combate da pirataria audiovisual, que segundo dados da MPA geram perdas anuais somente no setor de vídeo de US$ 136 milhões. Afirmou que caso providências mais drásticas não sejam tomadas até início de outubro, produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos poderão sofrer embargos comerciais. "Consultamos o governo americano e ele nos orientou neste sentido", diz o executivo.

Em plena consonância com o recrudescimento das distribuidoras sobre os novos impostos propostos a partir da efetivação da Ancinav, as entidades que representam o setor de exibição, como Associação Brasileira de Cinemas (Abracine) e Associação Brasileira de Operadores de Multiplex (Abraplex) divulgarão também a "Carta de Gramado", em que "repudiam a intenção do Governo Federal de retirar da própria indústria, atualmente em fase de investimentos e expansão, recursos que o mesmo pretende controlar".

Alegando que nos últimos seis anos, sem nenhum apoio governamental, as exibidoras abriram 717 novas salas, as entidades reclamam que novos impostos onerarão o preço do ingresso de cinema e dificultarão a ampliação do número de salas. "Não podemos apoiar mais impostos em um País onde a carga tributária já é muito alta", defende Walmir Fernandes, presidente da Cinemark, empresa americana que atualmente detém 25% do market share de exibição de filmes brasileiros, em um mercado estimado de 100 milhões de ingressos/ano.

"O aumento da carga tributária para a distribuição também estimulará a pirataria", diz. Fernandes alega que, caso os títulos estrangeiros sejam taxados pelo número de cópias, as distribuidoras terão de reduzir o número de salas de estréia, além de atrasar o lançamento de filmes em praças menores, fora das grandes capitais. "Neste quadro, em que filmes estreiam em algumas cidades, e outras não, certamente haverá um aumento das reproduções indevidas". A MPA, de fato, já anunciou que se a taxação passar, será ativado um calendário de reutilização das fitas, em que a região Sul receberá lançamentos com um mês de atraso, Minas Gerais com dois meses, e assim por diante.

Em entrevista a este jornal, o ministro interino da cultura, Sérgio de Sá Leitão, rechaçou a posição da MPA, julgando um absurdo que uma "entidade que representa o interesse de empresas americanas queira ter ingerência sobre assuntos brasileiros". "A Ancinav é assunto de responsabilidade do governo brasileiro", afirmou o ministro.

Leitão explica que a formulação da minuta de projeto para a nova agência foi apoiada em números e dados comparativos de outros mercados cinematográficos e que houve um estudo por parte do Minc para se chegar às novas tributações.

Além de reclamar da falta de transparência por parte das empresas estrangeiras do setor no Brasil, que segundo ele "são sempre ausentes na divulgação de seus números", o ministro explica que os novos impostos não vão incidir em cascata. "Concebemos o novo esquema de impostos para o setor junto com a Receita Federal de modo que uma tributação não incida sobre a outra". Leitão exemplifica o sistema explicando que para um ingresso de R$ 10 serão cobrados 10% sobre o valor de R$ 9, de modo que não seja necessário repassar o custo do novo imposto para os consumidores. "Não entendo a conta da MPA que quer aumentar os preços em 20%".

Segundo sua visão, os novos impostos cobrados, que serão utilizados no fomento e desenvolvimento das atividades de produção cinematográficas, não são excessivos. O ministro citou a previsão feita por Rodrigo Saturnino Braga, gerente geral da Columbia Tri Star Buena Vista Filmes do Brasil, na última semana, que previu no programa "Roda Viva", da TV Cultura, um faturamento de R$ 50 milhões com a segunda parte de "Homem Aranha". Até agora, em sua oitava semana de exibição em 652 salas, o filme atingiu mais de 7,6 milhões de espectadores. "O valor de R$ 600 mil é pouco mais de 1% do faturamento da Columbia", calcula o ministro.

Sobre a pirataria, Leitão lembra que o problema não acontece exclusivamente no Brasil, mas inclusive nos Estados Unidos e reafirma o empenho do governo em combater a atividade ilegal. "Constantemente a imprensa noticia mais uma apreensão de mercadorias pirateadas", diz ele, afirmando que a Polícia Federal trabalha de maneira ininterrupta para combater este tipo de crime.

Enquanto as majors estrangeiras abrem fogo contra a Ancinav, distribuidoras brasileiras como a Lumière e a Pandora anunciam esta semana a criação da Associação Brasileira de Distribuidores Independentes (Abradi). A entidade nasce para fortalecer as pequenas distribuidoras para que consigam fatias maiores na distribuição. "Não podemos deixar que os melhores filmes brasileiros fiquem somente com as majors", comenta Bruno Wainer, sócio da Lumière, que hoje detém 5% do mercado brasileiro.

Uma das grandes reivindicações da Abradi será a extensão dos benefícios do artigo 3 da Lei do Audiovisual para distribuidoras brasileiras. Hoje a legislação permite que 1,5% do IR devido pelas estrangeiras seja empregado na produção de filmes brasileiros. "Queremos o mesmo benefício", diz Bruno, lembrando que nos últimos anos os maiores faturamentos de sua empresa são oriundos de lançamentos brasileiros. O antiprojeto da Ancinav prevê a mudança reivindicada pela Abradi. "Não temos nada contra as majors estrangeiras, mas queremos estimular as empresas brasileiras para um desenvolvimento sustentável do mercado cinematográfico nacional", defende o ministro.