Título: Senado aprova Reforma do Judiciário
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/11/2004, Política, p. A7

Parte do texto irá para promulgação, enquanto outra parte volta à Câmara devido às alterações. O Senado Federal aprovou ontem a Reforma do Judiciário, depois de votar os destaques ao texto em primeiro turno e logo em seguida toda a matéria em segundo turno, graças a um acordo heterodoxo firmado entre as lideranças de partido. Os pontos de consenso com a Câmara dos Deputados seguem para a promulgação, como a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que exercerá o chamado controle externo do Judiciário. Já as mudanças realizadas pelos senadores retornarão para análise derradeira dos deputados. É o caso, entre outros, da ampliação do foro privilegiado (ver quadro).

Ontem, o governo federal fracassou na última tentativa de derrubar dispositivo incluído na Constituição Federal que dá ao Supremo Tribunal Federal (STF) o poder de editar súmula com efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, operou nos bastidores contra a medida. Um dos motivos é econômico. Se reiteradas decisões favoráveis ao setor produtivo contra a União forem sumuladas pelo STF, o governo terá de pagar a fatura de uma tacada só, e não a conta-gotas, ou ao final de cada processo isolado, como ocorre atualmente. São várias as disputas judiciais que podem ter tal desfecho. O setor sucroalcooleiro, por exemplo, pede indenização de R$ 50 bilhões, em cerca de 200 ações judiciais, por supostos prejuízos por causa do tabelamento de preços na década de 80.

Créditos sobre o IPI

Já as empresas querem que o STF confirme decisão que lhes garantiu direito a créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de insumos no regime de alíquota zero. Coisa de R$ 25 bilhões ao ano, segundo estimativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os valores discutidos nos dois casos, considerados inflados pelo setor produtivo, superam o superávit primário registrado pelo setor público entre janeiro e setembro deste ano, que foi de R$ 69,771 bilhões. "O impacto econômico causa preocupação. Não temos condição de avalia-lo previamente", disse o secretário da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault. Ele e Bastos também são contrários à súmula vinculante porque o instrumento engessaria os juízes de primeira instância, responsáveis por "oxigenar" o direito, conforme expressão cunhada pelo ministro. A mesma posição é defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Não deixaremos que alguns iluminados indicados pelo presidente decidam o que é a verdade absoluta", declarou a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL).

Súmula vinculanteO governo tinha consciência das poucas chances de sucesso dos destaques apresentados por Heloísa e pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) para derrubar a previsão de súmula vinculante para o STF ou, pelo menos, desobrigar a administração pública de segui-la. Da mesma forma, considerava remota a possibilidade de o plenário aprovar, como desejava o Palácio do Planalto, destaques dos senadores Leomar Quintanilha (PFL-TO) e Ideli Salvatti (PT-SC) autorizando o CNJ a determinar a perda de cargo de juiz, o que só poderá ser feito mediante decisão judicial. "Seria inócuo, porque não impediria o juiz de recorrer à Justiça", afirmou o senador José Jorge (PFL-PE), relator do texto. O CNJ poderá aplicar como pena, entre outros, a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço. O Executivo também acumulou vitórias ontem. A mais expressiva dela foi a manutenção de dispositivo que garante a federalização dos crimes contra direitos humanos. Dois destaques do senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) tentavam manter o assunto nas justiças estaduais. Foram rejeitados.

Os senadores mantiveram a composição dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) prevista na Constituição atual, recusando a substituição de um desembargador por um juiz federal, e a obrigatoriedade de o procurador-geral da República ser oriundo dos quadros do Ministério Público Federal (MPF). Eles também confirmaram a participação de juízes leigos nos juizados especiais e a necessidade de uma lei estabelecer quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode recusar a análise de um recurso especial.

Outra decisão importante foi a rejeição de destaque do senador Jefferson Peres (PDT-AM) que tentava assegurar autonomia às procuradorias estaduais e do Distrito Federal.