Título: O medo está vencendo a esperança
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Fonte: Gazeta Mercantil, 19/11/2004, Opinião, p. A3
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), nesta quarta-feira, de elevar 0,5 ponto porcentual a taxa básica de juros (Selic), contra o clamor geral da Nação, e a demissão ontem do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, apesar dos apelos de personalidades representativas dos vários segmentos da sociedade brasileira, mostram quem efetivamente manda na política econômica deste País.
Nesses dois episódios ressurge a velha disputa entre monetaristas e desenvolvimentistas ¿ o único embate ideológico interno que causou algum frisson na monocórdia e enfastiante política econômica do governo anterior. E que, na ocasião, resultou também na defenestração do pequeno núcleo desenvolvimentista do governo, coincidentemente também localizado no BNDES.
Os vitoriosos de então e de agora são os monetaristas, que pensam com a cabeça do Fundo Monetário Internacional (FMI) e se mantêm fiéis à ortodoxia econômica, como verdadeiros fundamentalistas econômicos.
O problema é que os tecnocratas do BC, aliados a seus colegas do Ministério da Fazenda de mesma orientação, insistem em não ver e lidar com os dados do Brasil real. No momento, a chamada autoridade monetária aumenta os juros e permite a queda do dólar (ou a valorização do real), quando deveria fazer justamente o contrário.
Com isso, os adversários da proposta de independência do BC, tão cara ao sistema financeiro internacional e nacional, ganham um forte argumento para defender suas posições. A decisão do Copom se insere entre as medidas que antepõem a autoridade monetária à Nação.
A bem da verdade, não é a primeira vez que a intransigência do BC causa mais danos à economia real do País do que benefícios, supostamente almejados. O caso mais exemplar foi o da paridade entre o real e o dólar, em que US$ 1 valia R$ 1, e a insistência em que o real se mantivesse sobrevalorizado no governo Fernando Henrique Cardoso, até que foi preciso uma desvalorização do real e a troca de comando no BC.
A essa vitória monetarista na definição da política de juros acrescenta-se agora a demissão de um dos poucos representantes de destaque do ideal desenvolvimentista no governo Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna cada vez mais parecido com o governo FHC. Um dos poucos desenvolvimentistas que sobraram, mesmo porque foi eleito pelo voto popular, o vice-presidente da República José Alencar não só critica abertamente a política de juros do BC como elogiou anteontem, em Quito, Carlos Lessa, ao dizer que ele é "patriótico, pensa no Brasil e é profundamente probo".
Além disso, Carlos Lessa não escondia o que pensava e manifestava abertamente suas divergências com a orientação do BC, às vezes com ironia, outras vezes com verdadeira indignação. Como muitos empresários, vemos na saída de Lessa mais uma demonstração de força do "Império do Copom", que amarra as taxas de crescimento. Estamos de pleno acordo com o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, quando afirma que Carlos Lessa teve um papel muito importante à frente do BNDES porque "mexeu muito nas estruturas, depois de muitos anos sem qualquer alteração e favoreceu o bom desempenho dos desembolsos, que chegaram perto de R$ 50 bilhões".
Para Carlos Lessa, o BNDES não poderia ser um "balcão de curto prazo" nem um "banco de socorro". Dono de profunda formação técnica e acadêmica, ele tem, acima de tudo, uma visão estratégica do Brasil, o que falta aos formuladores da atual política monetária que se pautam pela cartilha da ortodoxia econômica.
Como afirma um texto de apoio à permanência de Lessa à frente do BNDES, divulgado ontem, "a direção atual do BNDES recolocou o banco na direção de um banco do desenvolvimento e da promoção social. Teve de arcar com muitos ônus deixados pela ruinosa administração anterior, mas soube rapidamente ser o instrumento de apoio à recuperação de setores da indústria brasileira em ruínas, como a indústria naval, entre outras, assim como o apoio à extensão das exportações brasileiras, com especial atenção aos créditos aos países latino-americanos, de forma conjugada com a nova política de relações exteriores do Brasil".
Saem vitoriosos os monetaristas, que orientam a política econômica levantando o fantasma do retorno da inflação, em prejuízo da imagem de um governo eleito para fazer o contrário do que está fazendo. O medo está vencendo a esperança. kicker: Os vitoriosos são os monetaristas, que pensam com a cabeça do FMI e se mantêm fiéis à ortodoxia econômica