Título: Reajuste da Selic poderá comprometer a retomada
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Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Opinião, p. A-3

Depois de sustentar o discurso da "cautela" por três meses consecutivos, para justificar a sua decisão de manter a taxa de juros básica Selic em 16% ao ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central sugere, na ata de sua reunião da semana passada, divulgada ontem, que diante da intensificação das pressões de demanda, poderá vir a assumir uma "postura mais ativa com a política monetária".

Ou seja, a taxa de juros básica será elevada ainda este ano, não porém antes das eleições - para não frustrar as expectativas dos partidos governistas de tirar proveito político das boas notícias geradas na frente econômica. Analistas do mercado, ao avaliar a mudança de humor, para pior, do Copom, em relação às suas expectativas para a inflação, arriscam como certa a elevação dos juros ao menos em 0,5 ponto percentual em novembro e uma nova elevação de igual tamanho em dezembro, encerrando-se, assim, o ano em 17%, contra a projeção anterior do mercado, de 16%.

De acordo com o Copom, dois são os vilões responsáveis pelo balde de água fria que logo mais irá despejar sobre as expectativas dos agentes, que mal tiveram tempo de aquecer o ânimo nos minguados meses em que os principais indicadores de desempenho puderam infletir sua curva para cima, rumo à retomada do crescimento.

"O primeiro é a alta do preço do petróleo, na medida em que essa alta possa se tornar não só mais intensa como também mais persistente do que se antevia (...). O segundo, que conta com alguma contribuição das próprias perspectivas para o preço do petróleo, é o movimento ainda incipiente de deterioração das expectativas de inflação para 2005", reza a ata.

A Petrobras já não teria como manter os preços atuais, por vários motivos. As importações de petróleo cresceram 83% no 2° trimestre de 2004 em relação ao mesmo período do ano anterior e 18% entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano. Hoje, o Brasil importa 224 mil barris a mais do que há um ano. O custo de produção da empresa continua crescendo, tendo ultrapassado US$ 10 no primeiro semestre; e a empresa precisaria ajustar os preços para manter a capacidade de investimento e atender à expectativa dos acionistas.

Assim, o Copom admite que não há certeza quanto ao cenário que ele havia desenhado em julho, de um reajuste de 9,5% nos preços da gasolina para 2004, quando o preço do barril oscilava em torno de US$ 35. Observe-se que entre a reunião e a divulgação da ata o preço do petróleo só fez recuar.

Independentemente do que possa ocorrer com os preços domésticos dos combustíveis, adverte o Copom, o impacto da elevação dos preços internacionais do petróleo na inflação já se faz presente em algumas cadeias produtivas, contribuindo para deteriorar as expectativas dos agentes. A inflação encontra-se acima do intervalo compreendido entre as metas centrais de 2004 e 2005. A projeção dos preços administrados para 2005 subiu de 6,0% para 6,3%, variação que por si só contribuirá com 1,81 ponto percentual para compor a meta de 4,5% de 2005. Ou seja, a inércia dos preços administrados em 2004 já comprometeu 40% da meta de 2005 antes mesmo do ano começar. Não seria essa a "herança maldita"? - pergunta-se.

Uma possível elevação da Selic, porém, ainda não está decidida: "O quadro não está consolidado em relação a um fator de exacerbação (petróleo) ou outro (inflação de 2005), e o Copom precisará manter-se atento a novos desenvolvimentos nas duas frentes". E, antecipando-se às críticas, no caso em que "o cenário inflacionário venha a requerer um ajuste na taxa de juros básica, alerta que "é importante reiterar que isso não acarretará prejuízo ao processo de crescimento sustentado...". "Manter a inflação em trajetória compatível com as metas é essencial para que se preservem os ganhos da renda real do trabalho". Assim, o repique pós-eleitoral da taxa Selic seria benéfico para todos, segundo o Copom.

Pessimista quanto aos riscos de uma inflação que insiste em caracterizar como de demanda, o Copom adverte que "é preciso monitorar com muita atenção o risco de descompasso entre o produto efetivo e o potencial". Deixa, porém, o leitor frustrado, na parte menos repetitiva do relato, quando confia aos cuidados do imáginário conceituar o que vem a ser esse "potencial". Admite que "há grande incerteza a respeito da velocidade de ampliação da capacidade produtiva dos setores cujos níveis de utilização já são altos...". Na dúvida, freio.

Como era de esperar, as reações generalizadas do mercado são de que a postura do Banco Central é excessivamente conservadora, pondo em risco a sustentação de uma retomada que mal havia começado. A ata da reunião do Copom adverte que o cenário inflacionário exige um "ajuste" na taxa Selic, o que poderá ocorrer após a eleição