Título: O pensamento sempre presente
Autor: Klaus Kleber
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Primeira Página, p. A1

Morre o autor da mais respeitável obra sobre a economia brasileira. A passagem do pensamento de uma geração a outra e o encorajamento para pensar o novo são da essência mesma da cultura. Celso Furtado teve essa nítida percepção ao conhecer, em fevereiro de 1949, Raúl Prebisch, ex-presidente do Banco Central da Argentina, então o único economista latino-americano de renome internacional. Prebisch estava em Santiago do Chile para preparar um estudo sobre a situação econômica da América Latina. Esse trabalho clássico sobre as relações de dependência entre grandes centros econômicos e os países periféricos deu substância à Comissão Econômica para América Latina (Cepal) e a toda uma escola de pensamento.

Com o passar do tempo e a construção da mais respeitável obra sobre a economia brasileira, obra entendida como uma série de livros, versando também sobre a América Latina, o paraibano de Pombal, Celso Furtado, morto sábado no Rio, aos 84 anos, tornou-se, mais que um expoente do pensamento dito cepalino, um dos mais notáveis economistas políticos do século XX.

Com uma linha de pensamento definida, mas reconhecendo a progressão de mudanças, ele escreveu, em uma de suas últimas obras, um ensaio sobre a globalização, que a "economia industrial capitalista nos parece fadada à instabilidade. Na raiz de seu extraordinário dinamismo está o poder da inovação tecnológica, a qual também opera no sentido de contrair a demanda. O mercado cresce impulsionado por forças sociais que atuam em conflito aparente com os interesses do capital. Em síntese, o reconhecido dinamismo dessa economia é engendrado pela interação de forças que expressam interesses aparentemente contraditórios".

Fossem os integrantes da comissão que concede o Prêmio Nobel de Economia de mente mais aberta, menos interessados em modelos matemáticos sobre operações de derivativos, Celso Furtado teria merecido a láurea, também negada a Raúl Prebisch.