Título: Mudanças positivas no Judiciário
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Opinião, p. A3

Depois de doze anos de tramitação, a emenda constitucional da reforma do Judiciário foi aprovada na quarta-feira passada pelo Senado Federal - e parte dela deverá ser promulgada nesta semana. A parte restante terá de retornar à Câmara e nesta se inclui a proposta de ampliação do foro privilegiado, ou de proteção de autoridades contra processos judiciais.

Sobre matéria de tal complexidade não era de esperar que houvesse unanimidade. Assim, não estranha que o resultado tenha dividido magistrados, juristas e advogados. Mas, como reconhece o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, é fato também que "a reforma trouxe avanços, ainda que de forma bastante tímida". E quem assume o Judiciário como uma instituição sujeita a mudanças, em resposta às mudanças que ocorrem nas relações sociais, está mais disposto a acolher o alcance e os limites da reforma, por compreender que se trata de um processo de melhoria contínua.

Nessa medida, pode dizer-se com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que a reforma "marca um salto de qualidade na história brasileira e abre caminho para chegarmos ao Judiciário de nossos sonhos". É dizer que os sonhos somente se realização se a sociedade continuar atenta para a necessidade de se reduzir a morosidade na prestação jurisdicional, um requisito essencial da plenitude do Estado de Direito e do ideal democrático.

Três pontos sobressaem no conjunto da reforma: a criação do Conselho Nacional de Justiça, a súmula vinculante e a federalização dos crimes contra direitos humanos, sem prejuízo de outros, também relevantes, como a atuação dos Tribunais Regionais Federais como juizados itinerantes, a quarentena para juízes aposentados, a criação de varas especializadas em conflitos agrários e a criação do juízo arbitral. Um dos pontos mais polêmicos é a súmula vinculante, mecanismo pelo qual os juízes e tribunais de instâncias inferiores são obrigados a decidir de acordo com o entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os críticos rejeitam-na por entender que o efeito vinculante concentra poder na cúpula do Judiciário, enfraquecendo as demais instâncias. Em contrapartida, os seus defensores argumentam que o efeito vinculante contribuirá para desobstruir a montanha de processos, com impacto principalmente sobre o Poder Público. Pois, do total de ações que tramitam na Corte nada menos que 79% dizem respeito a União, INSS, estados e municípios.

Outra inovação que se destaca na reforma é a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um órgão de controle das atividades do Judiciário e de acompanhamento da execução orçamentária de cada tribunal. Essa fiscalização é exercida atualmente por tribunais, de forma dispersa e ineficaz. Do CNJ, ou órgão de controle externo, a maioria (nove juízes) de seus quinze membros pertencerá ao corpo do Judiciário; os demais são representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Ministério Público e pessoas indicadas pelo Congresso Nacional. Além de cuidar da supervisão administrativa e orçamentária, o CNJ vai fiscalizar os magistrados, sem poder de determinar a perda de cargo.

A criação de juizados itinerantes, ou a descentralização dos Tribunais Regionais Federais, permitirá aos juízes que se desloquem para onde houver mais processos, sem a necessidade de criação de novos tribunais, em vez de as partes se dirigirem às capitais, como ocorre hoje. É medida de economia em edificações e em novos cargos de servidores, ao mesmo tempo que contribuirá para a celeridade dos processos.

São muitas, na verdade, as novas disposições que se prestam a conferir mais agilidade ao Judiciário. Assim, para a rapidez processual, fica proibida a promoção do juiz que descumprir os prazos. E o STF, para atuar com mais presteza, poderá abrir mão de julgar causas que só interessam às partes diretamente envolvidas, como desentendimento entre vizinhos. Para isso, bastará que oito dos onze ministros digam que não há repercussão geral, ou seja, não há importância econômica, social ou política que justifique o exame do processo.

Mas é sabido que para tornar o Judiciário célere de verdade a reforma tem de ser processual. É nos códigos de processos que se abrigam os recursos que atulham o Judiciário. Segundo o diagnóstico geral do Poder Judiciário, realizado pelo Ministério da Justiça, do total de processos existentes no ano passado no STF 56,8% eram Agravo de Instrumento, um recurso que é utilizado para ganhar tempo e protelar as decisões. Há vários projetos de reforma processual no Legislativo. É de esperar que, para a sua aprovação, não se deva aguardar por mais de décadas, novamente. kicker: A reforma do Poder Judiciário é tímida, mas introduz novidades que deverão contribuir para acelerar a prestação jurisdicional