Título: Política nacional de defesa
Autor: José Luiz Niemeyer dos Santos Filho
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Opinião, p. A3
Desde a promulgação da Política de Defesa Nacional e da criação do Ministério da Defesa do Brasil, respectivamente nos anos de 1996 e 1999, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o tema defesa nacional vem ganhando projeção junto à sociedade brasileira através da imprensa ou da Academia, não mais se limitando, como num passado recente, a um assunto exclusivamente militar e tratado dentro dos círculos restritos às Forças Armadas.
A caracterização do chamado setor de defesa nacional cada vez mais se intersecciona a um campo aberto de recursos não exclusivamente militares que se encontram relacionados, direta ou indiretamente, aos objetivos estatais de defesa do País.
A defesa nacional se descolou dos ditames ideológicos da visão anterior de segurança nacional. Fortaleceu-se como política pública de Estado (e, nas conjunturas específicas e reais, de governo), e ponto; deve ser legitimada pela sociedade; buscar ser implantada por meio de uma relação harmoniosa entre objetivos a se alcançar, meios a serem utilizados e valores brasileiros a serem perseguidos.
Se existe uma ameaça, a estratégia deve ser sua confrontação pontual. Os devaneios anteriores, de cunho e intenção hegemônico-ideológica, devem ser postos de lado.
Temos então que disponibilizar recursos e, principalmente, uma vontade nacional alternativa; assim, meios que não são originados exclusivamente a partir de uma vertente estratégico-militar tradicional encontram-se potencializados, prontos para serem utilizados na "grande estratégia de defesa", e sobretudo estão dispostos no campo socioeconômico do poder nacional.
Se direcionarmos a análise para regiões sensíveis do País, carentes de instrumentos de defesa nacional e repletas de possibilidades de ameaça como o contexto norte-amazônico, essa premissa é mais que verdadeira.
Nos estados do norte do País, regiões de fronteira nas quais a presença do Estado não se faz relevante como deveria, a atividade da pecuária de corte, por exemplo, configura-se como um recurso de defesa nacional valiosíssimo. É a partir dessa atividade econômica, desenvolvida forçosamente no bojo de condições naturais específicas (clima, relevo) e de uma escassez de oportunidades econômicas alternativas àquele contexto, que é possível não apenas o povoamento como também a interação entre uma mão-de-obra indígena e não-indígena visando ao desenvolvimento socioeconômico da região e multiplicando as oportunidades para as comunidades que lá vivem.
Os investimentos em infra-estrutura nos chamados espaços vazios (e vitais) do País ganham cada vez mais um caráter complementar no que tange às ações de defesa nacional.
Com um orçamento restrito, o Ministério da Defesa (sempre em consonância com outras instâncias estatais) deve, sim, buscar incentivar as parcerias entre o setor público e a área privada para a construção de estradas interligando cidades estratégicas; portos ágeis e de operação múltipla; vilas agroindustriais de fronteira; e direcionar, desta feita, também sua agenda executiva para uma importante reorganização geoestratégica de todo o desenho regional e sub-regional da produção.
A equação é quase óbvia, todavia nem sempre clara para os órgãos de decisão do Estado: uma marinha mercante e um setor pesqueiro estruturado representarão maior proteção da costa brasileira; processos de integração econômica aperfeiçoados institucionalmente - já que o movimento da globalização é fenômeno inexorável - repercutirão em ações e estratégias interestatais comuns de defesa.
Em somatória o desenvolvimento de projetos como o SivamM/Sipam, a Base de Lançamento de Satélites de Alcântara, entre outros, possibilitam a estruturação de centros de excelência em pesquisa, na ótica dual, e aprimoram ações conjuntas no campo econômico-diplomático que auxiliam no fortalecimento dos alicerces da defesa nacional; vislumbra-se ainda o papel de organizações governamentais como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vista como um instrumento-alavanca da produção agrícola brasileira, meio irradiador de técnicas inovadoras para a sustentação continental da produção agropastoril - a partir do Brasil -, determinando para o continente sul-americano uma postura estratégica no campo da segurança alimentar e, conseqüentemente, da defesa cooperativa interestatal.
Tais movimentos irão se constituir, no tempo e no espaço, em desdobramentos para criação de um modelo mais abrangente de defesa nacional, também inclusivo no que se refere à participação de agentes estatais e da sociedade civil (pessoas, organizações, empresas e países parceiros), fundado em meios alternativos e até mais eficientes (sempre em consonância com o vetor fundamental da dissuasão militar tradicional) de confrontação dos óbices à segurança externa do País e da América do Sul.
kicker: A integração econômica pode repercutir em ações interestataisde defesa