Título: Cenário pouco otimista desafia agricultura
Autor: João Mathias
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Panorama Setorial, p. A8
Insumos mais caros e queda nos preços internacionais interrompem ciclo de alta dos preços. Símbolo do sucesso registrado pelo agronegócio nacional nas últimas safras, a cultura da soja entra em uma fase de desaceleração no ritmo de crescimento e interrompe um curto ciclo de alta do mercado. Custos de produção mais elevados e redução das cotações da oleaginosa no mundo estão freando os investimentos dos agricultores brasileiros para a safra 2004/05.
No primeiro levantamento da intenção de plantio para a próxima safra, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), indica um acréscimo de pouco mais de 1 milhão de hectares em área plantada. "O aumento de área verificado deve-se muito mais ao fato de não haver opção de troca para o produtor, do que, efetivamente, por estar atrativo plantar a soja. O milho, que é concorrente da soja, está com preços muito pouco estimulantes, não representando, portanto, uma opção de substituição que seja compensadora", informa o órgão em relatório divulgado no mês passado.
A soja, no entanto, é o produto agrícola com a maior expectativa de expansão em terras cultivadas. Arroz, feijão e milho, por exemplo, devem reduzir as áreas de plantio em comparação ao período do ano anterior. "É uma estimativa realista e não otimista. Poderemos ter ajustes mais adiante", disse o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em relação ao total das culturas na safra 2004/05. "O uso de fertilizantes cairá em, pelo menos, 1 milhão de toneladas, passando de 22,8 milhões para 21,8 milhões", informou o ministro. Com o menor uso de insumos agrícolas nas plantações, o ministro considera também uma queda no emprego de tecnologia.
De acordo com avaliação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o agricultor deve enfrentar um arrocho financeiro e ainda correr riscos de endividamento na próxima safra. Insumos mais caros, como fertilizantes, defensivos, adubos, sementes e máquinas agrícolas, aliados à queda das cotações da commodity no mercado internacional, promovida pela expectativa da superprodução americana, estão pesando nas decisões dos produtores brasileiros de soja.
Projeções da CNA indicam que a venda da colheita a preços baixos não vai gerar caixa suficiente para cobrir os gastos com o custeio da lavoura. O descompasso entre os custos para o cultivo de 21,2 milhões de hectares com soja na safra 2004/05, avaliados em R$ 33,19 bilhões, e as expectativas de preços de venda no próximo ano devem resultar em uma descapitalização do produtor. De acordo com o estudo da CNA, a diferença entre os gastos de custeio e a remuneração da produção possa gerar um prejuízo de R$ 4,35 bilhões.
A soja brasileira experimentou um acentuado crescimento ao longo de quatro décadas. Inicialmente, junto com o trigo, a commodity agrícola foi a grande responsável pelo surgimento da agricultura comercial no Brasil, de acordo com a Embrapa Soja, unidade de Londrina (PR) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Seu cultivo colaborou ainda para a aceleração da mecanização das lavouras brasileiras, modernização dos transportes, expansão da fronteira agrícola, profissionalização e incremento da agricultura brasileira no comércio internacional. Também foi responsável pela introdução do Centro-Oeste no processo de desenvolvimento do Brasil.
Os ganhos de produtividade firmados, nos últimos anos, refletiram em um acentuado aumento de produção, com sucessivos registros de recorde. Contudo, fatores climáticos adversos e a incidência da doença ferrugem asiática nas lavouras brasileiras diminuíram o volume para 49,77 milhões de toneladas na safra 2003/2004. Estimativas preliminares indicavam patamar acima dos 60 milhões de toneladas, cujo total voltou a ser previsto para a safra 2004/05.
Mesmo com o impacto de condições climáticas desfavoráveis, a produção brasileira de soja manteve-se em um patamar elevado na safra 2003/2004, com volume suficiente para suprir o consumo doméstico e a demanda externa. O setor também foi motivado pelas altas cotações internacionais da commodity, registradas ao longo de 2003 e por vários meses em 2004, a escoar a safra para diferentes mercados, sobretudo para atender à demanda chinesa.
Na rota da liderança
O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda). A julgar pela velocidade de crescimento do cultivo da oleaginosa no mercado brasileiro, salvo a incidência de condições climáticas inapropriadas, o País tem potencial para liderar a produção global em alguns anos.
Entre o volume registrado na safra 2000/01 e a expectativa para a safra 2004/05, a colheita de soja no Brasil cresceu 63,3%. Nos Estados Unidos, a taxa de expansão, em igual período, foi de 12,75%. A maior eficiência dos agricultores brasileiros no manejo do cultivo dos grãos, aliada ao emprego de tecnologia avançada, resultou em sucessivos saltos de produção no País. Atualmente, o Brasil responde por aproximadamente 30% da soja existente no mundo.
Do total dos 228,94 milhões de toneladas da oleaginosa previstos para a safra 2004/05, o País será responsável pelo volume de 64,5 milhões de toneladas, segundo relatório de outubro de 2004 do Usda. A superprodução dos Estados Unidos está projetada em 84,56 milhões de toneladas. Há quatro lavouras, os americanos somaram produção de 75 milhões de toneladas de soja e o Brasil, 39,5 milhões de toneladas.
Somada ao volume dos demais países da América do Sul, sobretudo ao da Argentina, a produção brasileira passou a exercer influência sobre os preços na Bolsa de Chicago. Especialistas do setor acreditam que, com a maior safra de soja originada dos países sul-americanos, a região pode gerar um maior peso na formação dos preços futuros da Chicago Board of Trade (CBoT). A oleaginosa é o segundo maior mercado do futuro no mundo, atrás apenas do petróleo.