Título: Rússia procura modelo de democracia, diz Putin
Autor: Antônio A. Dias Castro
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Internacional, p. A15
O presidente afirma que a volta de sistema totalitário, que muitos temem, está "absolutamente descartada". A Rússia do presidente Vladimir Putin - que se encontra hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília -, rebateu na sexta-feira os temores de que algumas mudanças internas significam a criação de um governo totalitário. "Uma volta de qualquer tipo de sistema totalitário é algo absolutamente descartado", afirmou, segundo a agência de notícias Reuters. O país passa por diversas reformas desde o início dos anos 90. No entanto, Putin disse que seu país ainda procura por um modelo de democracia condizente com suas tradições.
As insinuações têm relação com mudanças no cenário político que, segundo alguns analistas, têm por objetivo aumentar ainda mais os poderes do presidente. As mudanças permitirão que Putin escolha os governadores das Repúblicas Autônomas do país, torne mais difícil a formação de novos partidos políticos e limite o acesso de candidatos independentes ao Parlamento russo. "Não acho que haja qualquer problema de desaprovação entre a maior parte da população", afirmou.
O presidente, que mantém os meios de comunicação do país sob rígido controle e que se beneficia de uma expansão econômica alimentada pelos altos preços do petróleo, conta com altos índices de popularidade.
Uma das mudanças pelas quais passa a Rússia inclui as negociação para tornar-se membro da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na semana passada, em São Paulo, o assessor especial de Putin, Igor Shuválov, afirmou esperar que esse processo de adesão esteja na fase final. Mas disse também que nem todos na Rússia são favoráveis ao ingresso do país na OMC, porque são de opinião de que haverá setores expostos e sob pressão.
Sistema tributário
Ainda sobre as reforma em andamento, Shuválov ressaltou a adoção da reforma tributária e fiscal. Segundo ele, o sistema tributário russo é hoje um dos mais livres do mundo. As empresas pagam imposto de renda numa escala de 20% a 25%, 18% de imposto sobre valor agregado (IVA) e 20% de encargos sociais. As pessoas físicas pagam imposto de 13% sobre a renda. E a tendência é reduzir paulatinamente os impostos.
O assessor disse ainda que gora os órgãos de poder estão impedidos de intervir nas empresas e fechá-las como ocorria antes. Essas questões são solucionadas em nível judicial mediante a adoção de procedimentos e inspeções pelos tribunais.
Segundo ele, considera que o controle cambial e monetário permitirá que o rublo seja uma moeda totalmente conversível até 2005, se o Banco da Rússia não enfrentar oscilações nesta área.
Yukos
De acordo com o assessor de Putin, não são os problemas com a empresa petrolífera Yukos que determinam o processo do afastamento de investidores da Rússia. A empresa está altamente endividada, e sexta-feira o governo anunciou que licitará partes dela, a maior exportadora de petróleo do país, para quitação dos impostos. Uma das prioridades do governo é o pagamento dos impostos, o que não havia na ex-União Soviética, disse Shuválov. O caso Yukos levantou receios de investidores estrangeiros quanto à Rússia e houve reflexo sobre a entrada de capital no país. Segundo o assesor de Putin, a Rússia diminuirá sua carga tributária.
ONUPerguntado sobre as propostas da Rússia para a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), Shuválov disse que Putin considera a instituição central e, portanto, a sua reforma de tem de ser vista de forma global e não só do Conselho de Segurança, do qual os russos são membros permanentes. Ele expressou claramente que a posição russa é cautelosa sobre a reforma e que o Brasil tem o apoio de Moscou para também ter um assento permanente nele.
G-3
Shuválov não se manisfetou sobre um eventual ingresso da Rússia no G-3, grupo formado no ano passado por Brasil, Índia e África do Sul, para discussão de diferentes temas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já disse que gostaria que os russos e os chineses se juntassem a ele.
Caças
O governo brasileiro tem em andamento uma licitação para a compra de caças para a força área, para substituição dos Mirage-3. A Rússia tem muito interesse em ser o fornecedor, com o Sukhoi-35. De acordo com Moscou, esse é o melhor bombardeiro do mundo. E uma vitória russa na licitação ajudaria muito na cooperação entre os dois países. De acordo com Moscou, o Brasil poderia começar a produção de aviões regionais na Rússia, área em que este país tem grande carência. Seriam criados consórcios nessa área. A Rússia quer cooperação com a Embraer num negócio que envolveria produção de partes. Quanto à montagem final, Moscou ainda não sabe onde poderia ser feita. Seria a compensação, caso vençam a licitação para reequipamento da aviação militar brasileira. Os aviões regionais, de 40 lugares, seriam vendidos em vários mercados, inclusive na China, onde a Embraer já tem uma linha de produção. O anúncio do vencedor da licitação brasileira já foi adiado duas vezes.
Insatisfação
Shuválov expressou insatisfação sobre o volume de comércio entre Brasil e Rússia, que em 2003 atingiu US$ 2 bilhões, com um saldo favorável ao Brasil de US$ 585 bilhões. Além disso, disse que a pauta de exportação não satisfaz às reais potencialidades dos dois países, que deveria evoluir para a troca de produtos de maior valor agregado. E mencionou como exemplo de cooperação a aviação civil, a área de máquinas e equipamentos e energia.
kicker: Há setores russos que estão resistentes à entrada do país na OMC