Título: Agricultor terá dívidas prorrogadas
Autor: Neila Baldi e Alexandre Inacio
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/11/2004, Agribusiness, p. B12

Governo adia por 90 dias vencimento do custeio e estuda alongar outros débitos. As dívidas dos cafeicultores que venciam na sexta-feira não precisaram ser pagas. No dia 19, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento encaminhou às instituições bancárias comunicado que adia por 90 dias o pagamento dos débitos de custeio da safra passada, equivalentes a R$ 145 milhões. Além de não quitarem o que devem, os cafeicultores pretendem ainda que o governo receba o restante de suas dívidas em produto. Ou seja, um total de R$ 1,2 bilhão poderá ser convertido em aproximadamente 5 milhões de sacas de 60 quilos do grão.

A prorrogação pegou de surpresa o secretário de Produção e Comercialização do ministério, Linneu Costa Lima, que estava na Bahia participando do 12 Encontro Nacional do Café (Encafé). Segundo Lima, a definição dessa política deveria ser encaminhada pelo ministro Roberto Rodrigues. "Pode ser que o Amauri (secretário-executivo do Ministério) tenha ligado para o ministro e tido o aval para conceder um prazo para analisar a proposta e os produtores não ficarem sendo pressionados pelos bancos", explica o secretário.

A proposta de prorrogação dos débitos - a maior parte do montante já foi renegociado em 2001 - foi feita no início de outubro pelo deputado federal Silas Brasileiro (PMDB-MG), ao secretário. Na ocasião, Lima disse que estudaria o assunto. Amanhã haverá reunião no ministério para definir o que será feito com a dívida total de R$ 1,2 bilhão. Ao prorrogar o pagamento do custeio em 90 dias, o governo ganhou tempo para encontrar uma solução definitiva.

Segundo Brasileiro, a renegociação se faz necessária porque os cafeicultores vêm amargando nos últimos anos preços baixos, impedindo a formação de renda. O analista Gil Barabach, da Safras & Mercado, explica que a crise começou com a grande colheita de 1998 e se agravou em 2002, com queda dos preços internacionais. Na época, a saca chegou a ser negociada a US$ 34. Hoje, o preço é de US$ 88 a saca. "Apesar da recuperação, ainda está longe da média histórica dos últimos 10 anos, de US$ 100 a saca", afirma o analista da Safras & Mercado.

"A prorrogação veio em boa hora, pois o produtor não precisará vender o grão para pagar as dívidas", diz Reinaldo Caetano, presidente da Associação dos Cafeicultores de Araguari, em Minas Gerais. Para José Edgar Paiva, presidente da Central das Cooperativas Agropecuárias de Minas (Coccamig), a prorrogação dá fôlego ao produtor. "Temos tempo para conseguir os recursos necessários e acertarmos a dívida. Ninguém quer deixar de pagar", afirma.

Dentro do pacote dos sonhos do agricultor, está a conversão de dívidas antigas em café. Trata-se de R$ 789 milhões de dívidas antigas, parte delas alongada por 12 anos. De acordo com o acordo assinado em 2001, o cafeicultor vinha pagando somente o serviço da dívida, ou seja, os juros de 5,75% ao ano. A partir de 2005 o agricultor teria que começar a pagar as parcelas do que foi refinanciado. "O cafeicultor não tem dinheiro para isso", afirma Brasileiro.

Constam ainda R$ 280 milhões referentes ao custeio concedido neste ano e que vencerá em 2005, com juros de 9,75% ao ano. O deputado propõe que todo esse valor seja convertido em café, que aos preços atuais do grãos somariam mais de cinco milhões de sacas. Além de pagar em produto, a dívida seria alongada, conforme a produção do cafeicultor. Ou seja, seria estabelecido um percentual a ser pago do débito total, em café. Se no ano da quitação o produtor quiser paga em dinheiro, teria de acrescentar os juros e uma taxa de 2%. Segundo Brasileiro, todos os cafeicultores que aderirem ao programa precisarão pagar a taxa para reverter em recursos para o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). "Com a conversão da dívida em produto, o governo será capaz de recompor seus estoques". Ele diz que o estoque governamental é de 4 milhões de sacas, quando há duas décadas foi de 60 milhões.

De acordo com o secretário, a proposta apresentada pelo deputado prevê a arbitragem pelo governo de um valor de R$ 216 para a saca de café, ficando a cargo dos produtores escolher pagar a dívida com café ou com dinheiro. "A idéia em si é interessante, já que o governo retiraria café do mercado em período de preços baixos e receberia em dinheiro caso os preços subissem, mas o valor proposto é inaceitável", disse Lima. O secretário, que é cafeicultor, é favorável à criação de uma política que, na visão dele, tiraria a angústia dos produtores.