Título: Acidentes do trabalho: tsunami brasileiro
Autor: Maciel, Fernando
Fonte: Correio Braziliense, 11/04/2011, Opinião, p. 13
Procurador federal em Brasília, chefe da Divisão de Gerenciamento das Ações Regressivas Acidentárias da Procuradoria-Geral Federal.
A recente tragédia (terremoto e tsunami) que atingiu o Japão vem despertando um sentimento de solidariedade por todo o mundo. Até agora já foram mais de 10 mil mortes e 17.500 desaparecimentos, isso sem contar as milhares de pessoas expostas à contaminação radioativa. Em face disso, o Japão e, por que não dizer o mundo, vive em uma atmosfera de dor, tristeza e medo.
Mas ao tempo em que nos mostramos solidários com aqueles que estão do outro lado do mundo, não podemos nos esquecer dos tsunamis brasileiros. Se os fenômenos da natureza não nos atingem com a mesma intensidade que a outros países, por sua vez, o Brasil apresenta um cenário catastrófico ao registrar milhares de mortes por acidentes do trabalho.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil é o 4º colocado mundial em acidentes fatais e o 15º em acidentes gerais. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, em 2009 os riscos decorrentes dos fatores ambientais do trabalho geraram 83 acidentes a cada hora, bem como uma morte a cada 3,5 horas de jornada diária, totalizando 2,5 mil registros apenas naquele ano.
Tais acidentes trazem consequências maléficas não apenas para os trabalhadores (danos de ordem física, emocional e material), mas também para a economia do país e, por consequência, para a sociedade responsável pelo seu custeio. Registra-se que, em 2009, a despesa previdenciária com benefícios acidentários e aposentadorias especiais ultrapassou a cifra de R$ 14,2 bilhões. Se adicionarmos a esse total os gastos com a saúde pública, ultrapassaremos a casa dos R$ 56 bilhões, o que representou quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
O problema do grande número de acidentes de trabalho no Brasil também não é de ausência de leis. A própria Previdência Social, criada com a Lei Eloy Chaves, em 1923, surgiu após as normas de proteção acidentárias, que se somaram à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943 e às normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Isso sem mencionar as convenções e recomendações da OIT sobre saúde e segurança do trabalho.
Recentemente, durante a visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, foi assinado um protocolo de cooperação técnica com vistas à efetivação da agenda de trabalho decente da OIT. O termo abrange a proteção social do trabalhador, com políticas de criação de oportunidades de trabalho e, sobretudo, a proteção dos direitos trabalhistas, incluindo medidas de segurança e saúde laboral. Nessa mesma seara, o governo federal editará, no fim deste mês, decreto que vai disciplinar a política nacional de saúde e segurança no trabalho.
Porém, a concretização dessa política pública voltada à prevenção de acidentes do trabalho pressupõe a conjugação de esforços de vários atores sociais, cenário em que o setor empresarial possui lugar de destaque, porquanto responsável pelo cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho.
Nosso país precisa, sim, buscar o desenvolvimento econômico, mas que isso não ocorra valendo-se da força de trabalho em estado precário e da exploração de um bem que não pode ser negociado: a vida dos trabalhadores. Precisamos de um desenvolvimento sustentável no qual as políticas de saúde e segurança do trabalho estejam incorporadas na cadeia produtiva.
Se a natureza favorece o Brasil, o mesmo não pode ser dito sobre a forma como exploramos o trabalho. Os japoneses, por sua vez, não obstante as longas jornadas, carregam o título de um dos países mais seguros do mundo no âmbito profissional, com apenas duas mortes a cada mil trabalhadores. Portanto, que tenhamos solidariedade também com as nossas tragédias. Que em matéria de prevenção de acidentes, sejamos mais japoneses e menos brasileiros.