Título: Estados já se antecipam à lei federal
Autor: Sandra Nascimento
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Nacional, p. A-5

Os governadores de Minas, São Paulo e Goiás não medem esforços na defesa das parcerias. Enquanto governo e oposição não chegam a um consenso no Senado em torno da votação do projeto de Parcerias Público-Privadas (PPPs), os estados que já aprovaram a lei avançam em busca de consolidar o processo e garantir o investimento da iniciativa privada, mesmo sem a definição do texto federal. Os governadores tucanos de Minas Gerais, de São Paulo e de Goiás não medem esforços na defesa das parcerias enquanto, no Congresso, o PSDB é uma das principais resistências à proposta. Santa Catarina completa o quadro dos estados onde a lei das PPPs já é uma realidade e, em breve, fará parte deste grupo o Rio Grande do Sul.

A primeira alegação dos governadores para recorrerem às PPPs é a falta de verba pública, aliada ao crescente estrangulamento da infra-estrutura que já provoca prejuízos econômicos. O mais recente estado a aprovar uma lei de parcerias público-privadas, no início de agosto, Goiás começa a detectar dificuldades para escoar sua crescente produção agropecuária e industrial, segundo o secretário de planejamento estadual José Carlos Siqueira. Recentemente, disse ele, usineiros locais perderam contratos de exportação por falta de estrutura logística que lhes permitissem entregar o açúcar no prazo determinado pelo comprador.

"O tesouro estadual, como o da União, não tem como bancar os projetos necessários, com o risco futuro de gargalos que possam prejudicar até mesmo o desenvolvimento do Centro-Oeste", disse o secretário, acrescentando que "a PPP não é panacéia para todos os males nem a solução para todos os investimentos necessários, mas é uma solução para muitas obras de infra-estrutura, tais como estradas, saneamento básico e logística".

Primeiro a aprovar a PPP, em dezembro do ano passado, Minas começa no próximo mês o processo de contratação de instituições que vão dar suporte à modelagem do projeto, sobretudo na formatação da garantia, um dos pontos considerados fundamentais pelos potenciais investidores. Esse trabalho de "inteligência", segundo o coordenador da Unidade de PPP mineira e secretário estadual de relações internacionais Luiz Antônio Athayde, será financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que liberou US$ 675 mil, a fundo perdido, para o governo mineiro. "Nossa expectativa é que o primeiro contrato (para licitação) saia já no primeiro trimestre de 2005", disse.

A exemplo da proposta federal, Minas optou por oferecer ao investidor um fundo garantidor, que recebeu inicialmente um aporte de R$ 88 milhões em ações preferenciais da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e que terá como gestor o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), e a participação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

Logo depois de Minas, veio o estado de Santa Catarina, que aprovou sua lei de PPP em janeiro deste ano e também optou por um fundo de garantia ao investidor. "Estamos estudando quais recursos do estado serão alocados no fundo, como será feita a regulamentação. É um fundo financeiro, não orçamentário", disse a diretora de planejamento e gestão estadual Reginete Panceri. Ela também concorda que dá para seguir sem esperar uma definição de Brasília. "Uma lei federal nos daria mais tranqüilidade, mas a legislação estadual está bem forte e a cada estado que aprova a sua própria lei, ficamos ainda mais fortes", disse.

Preocupações com a LRF

Em maio foi a vez de São Paulo, que espera atrair em torno de R$ 7,5 bilhões da iniciativa privada com os projetos de parceria. Ao contrário de Minas e Santa Catarina, criou uma empresa para dar garantias ao investidor. A Companhia Paulista de Parceria (CPP) tem como ativo cerca de R$ 300 milhões em imóveis, R$ 1,3 bilhão em ações e R$ 1 bilhão em recebíveis. Segundo a coordenadora da recém criada Unidade PPP do estado de São Paulo, Maria Elizabeth Domingues Cechin, "uma empresa é mais flexível" do que um fundo porque pode emitir títulos para capitalizar as garantias e é também mais transparente, já que tem o controle da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Recém aprovada, a lei das PPPs de Goiás também prevê a criação de uma companhia, que reunirá ativos do estado, como órgão garantidor.

Uma das questões mais polêmica do projeto em tramitação no Senado, com conseqüência direta para os estados, é a interferência das PPPs no endividamento dos governos, e em conseqüência, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o importante é saber quem paga a conta. "Se a resposta for o setor público, então é preciso saber como equacionar isso financeiramente. Se o setor público assume um compromisso para pagar lá na frente, não tem como fugir, é um endividamento", disse ele, acrescentando que só seria possível driblar o ajuste das contas públicas se o usuário pagasse toda a conta. "Mas nesse caso não precisaria de PPP, serve a concessão".

No caso dos estados, avalia o economista, a situação é ainda mais difícil. porque a capacidade deles de investir deles é ainda menor do que da União. "O setor público não pode se endividar muito e o setor privado não vai se endividar no lugar dele". Para Velloso, a solução passa, primeiro, pelo equilíbrio das contas. "É preciso que o estado demonstre capacidade de pagamento futuro e, com isso, não seja necessário tanta garantia". A falta de confiança na capacidade de pagamento dos estados pode levar os investidores a exigir garantias de tal forma elevadas que inviabilizem os projetos. "Ou só vai ser possível fazer projetos pequenos, mais baratos. As grandes obras de infra-estrutura, tão necessárias, ficariam sem cobertura". Na opinião dele, dos estados que hoje têm PPP, só São Paulo está em condições de atender a esse requisito.

O coordenador da unidade PPP de Minas, descorda fortemente das tentativas de classificar a participação dos estados nas PPPs como dívida. "A lógica é de uma prestação de serviços, não é a aquisição de um ativo fixo. Não há como tratar isso como dívida. Ao oferecer uma garantia que é executável fora do tesouro estadual, não deve ser tratada como mera dívida financeira, não é um passivo típico", disse, ele acrescentando que a lei prevê as despesas como gasto continuado, respeitando a LRF. "Não se pode considerar o valor total como dívida".

Para o secretário goiano, é possível fazer investimentos sem afetar o equilíbrio fiscal. "A PPP nos dá a oportunidade de uma parceria diferenciada. São investimentos necessários, se não acontecer via PPP, o impacto no tesouro será ainda maior", disse. Segundo ele, "o alongamento dos desembolsos de recursos (até 35 anos) é favorável ao equilíbrio fiscal".

Em Santa Catarina que, segundo Reginete Panceri, passa por "dificuldades de caixa momentâneas", sendo obrigada a contingenciar o orçamento, a PPP vai permitir que se faça mais com menos e que se preste um serviço melhor à população. "Com a divisão do risco com a iniciativa privada, o custo cai."

Lei de licitações e de concessões

Na ausência do marco regulatório federal para as PPPs, as leis estaduais devem se adequar à atual lei de licitações (8666) e das concessões (8987) o que, para os responsáveis pelos projetos nos estados, não há problema.

Raciocínio com o qual a sócia-diretora da Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, Claudia Bonelli, concorda, embora com alguns senões. "Na impede aos estados que se antecipem na lei das PPPs, só serão necessários alguns ajustes após a aprovação da lei federal. Mas com a atual lei de licitações, por exemplo, fica difícil implementar um projeto de longo prazo", disse ela. A Lei 8666 prevê prazo contínuo de no máximo seis anos, o que inviabilizaria grandes obras - os projetos de PPP prevêem até 30 ou 35 anos.

A lei de concessões também pode ser um obstáculo, na avaliação de Claudia. Como determina ao setor privado executar os serviços públicos por sua conta e risco, inviabiliza um dos pontos mais importantes da PPP, a parceria. Como exemplo, não poderia haver pedágios subsidiados, os chamados pedágios sombra (`shadow toll¿).