Título: Setor externo atesta bom andamento da economia
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/11/2004, Opinião, p. A3

Assumindo o ano de 2004 como praticamente transcorrido no que diz respeito ao comércio exterior, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) projeta um superávit na balança comercial de US$ 35 bilhões, resultado 100% acima do previsto no início do ano por vários analistas. Trata-se de um desempenho excelente, que pode ser ainda melhor avaliado se se considerar que, enquanto em 2003 o superávit foi determinado pelo aumento das exportações num contexto de importações estagnadas, neste ano esse aumento vem sendo acompanhado por uma progressiva recuperação das importações, associada em grande parte à recuperação do nível de atividade.

Uma tal previsão poderia à primeira vista surpreender, pois as exportações na primeira quinzena de novembro apresentaram uma redução de 4,7% na média por dia útil em comparação com as realizadas em igual período do ano anterior. Mas ocorre que os meses de novembro contabilizam em geral valores exportados mais baixos - e é o que se deverá registrar até o fim do mês. Para dezembro, prevê o Iedi, se se confirmar o padrão de anos anteriores as vendas externas serão maiores do que as de novembro. No total do ano, ter-se-ia então um valor de vendas ao exterior de US$ 97 bilhões (US$ 82,9 bilhões no ano até o dia 14 de novembro), o que representaria um crescimento de 33% em relação a 2003. Quanto às importações, poderão alcançar US$ 62 bilhões (US$ 53,5 bilhões no ano até o dia 14 de novembro). Nessa data, acumulava-se um superávit de US$ 29,4 bilhões, o que permite prever que se elevará a US$ 35 bilhões em 31 de dezembro.

É sem dúvida um resultado muito auspicioso, com reverberações positivas sobre uma ampla diversidade de indicadores de desempenho quantitativos e qualitativos da economia brasileira. Associe-se, por exemplo, o elevado superávit na balança comercial pelo segundo ano consecutivo ao transcurso de um período correspondente sem crise. Ou à redução da exposição ao risco de choques externos, considerando-se que nos oito anos até 2002 o Brasil acumulou US$ 186 bilhões de déficit em conta corrente.

Graças principalmente ao superávit comercial - que reflete um aumento de mais de 50% no valor das exportações em relação a 2002 -, o balanço de pagamentos fechará 2004, pelo segundo ano consecutivo, com um saldo em conta corrente de cerca de US$ 9 bilhões.

Muito desse desempenho deve ser atribuído à aceleração sincronizada do crescimento global, que deve atingir 5%, segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) - a taxa mais elevada desde 1976. Uma taxa excepcional que terá como contrapartida a robusta expansão de 8,5% do comércio mundial, segundo a Organização Mundial do Comércio. Mas é de notar também que, se o comércio exterior e a economia brasileira como um todo somente têm conseguido crescer quando a economia de todos os países cresce - e este é o desafio a ser enfrentado - não se pode deixar de reconhecer, na avaliação desse resultado, o papel desempenhado pelo esforço exportador, facilitado pelo estímulo da desvalorização cambial de 1999, da abundância de crédito a juros favorecidos e da desoneração tributária.

Enfatize-se que mais do que o aumento do comércio mundial, concorreu para o superávit o esforço exportador, pois as vendas externas brasileiras expandiram-se muito acima das exportações dos países competidores em geral. É impossível, pois, não se enxergar nisso motivações de ordem interna, a começar a de um ambiente macroeconômico favorável, herdado do governo anterior, que a equipe do ministro Antonio Palocci soube consolidar, mediante iniciativas oportunas, como o programa Reporto, em sintonia com o extremo denodo com que o ministro Luiz Fernando Furlan se desincumbiu do papel de caixeiro-viajante. Seria injusto, porém, desconsiderar a participação nesse resultado dos demais ministros com incumbência na área econômica.

Para o próximo ano, prevêem-se outra vez resultados animadores na frente externa, embora a taxa de crescimento global deva recuar para 4%, segundo prevê o FMI. Longe de se constituir em fator de desestímulo, a desaceleração deve servir de alerta, ante o risco da manutenção pelo Banco Central de taxas de juros elevadas associadas à apreciação do câmbio, duas investidas a que sempre se opôs este jornal por se constituírem em freio ao desenvolvimento.

A esse respeito, as autoridades econômicas devem ter em mente que câmbio apreciado e juros elevados podem comprometer a repetição em 2005 do ótimo desempenho do setor externo em 2004, ao contaminar a rentabilidade das exportações.

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kicker: O superávit em conta corrente pelo 2°- ano consecutivo reflete a resposta a um ambiente macroeconômico favorável