Título: Muita diplomacia e pouco negócio
Autor: Romoaldo de Souza
Fonte: Gazeta Mercantil, 23/11/2004, Nacional, p. A4
Russos não cedem na importação de carnes e brasileiros não se decidem pelo avião Sukhoi. Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Rússia, Vladimir Putin, avaliaram como positivas as conversações oficiais entre os dois países e assinaram declaração conjunta que vai desde a necessidade de fortalecimento do papel da Organização das Nações Unidas (ONU), o combate ao terrorismo internacional e ao narcotráfico e a ameaça à paz.
Lula e Putin também discutiram troca de apoio diplomático na candidatura russa a membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da brasileira, do Conselho de Segurança da ONU. Enquanto o presidente russo afirmava ser o Brasil um parceiro estratégico, razão pela qual apoia a ampliação do papel do Brasil na ONU, Lula retribuía a lisonja, afirmando que o Brasil endossa a proposta para entrada dos russos na OMC. Segundo Lula, com os russos na OMC torna-se viável "um sistema internacional de comércio mais eqüitativo".
Entretanto, a manutenção do embargo das carnes brasileiras, um negócio de quase US$ 500 milhões por ano, frustrou a expectativa do mercado. Em vigor desde setembro, o entrave não foi resolvido. Segundo garantiu o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Maçao Tadano, o Brasil esperava para ontem, o anúncio para liberação da carne. "Nós temos expectativas, mas não temos dados precisos em relação às cotas que estão sendo definidas para o próximo ano, mas existem negociações nesse sentido", disse. Segundo o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, durante a semana técnicos dos dois países voltam a se encontrar para analisar as medidas que estão sendo tomadas pelo Brasil para provar que o gado brasileiro não está atingido pela febre aftosa.
Outro negócio que também não se concretizou, ontem, foi a compra de 12 aviões caça Sukhoi para a Força Aérea Brasileira, um projeto de US$ 700 milhões.
Especialistas internacionais esperavam que o presidente brasileiro anunciasse a compra dos aviões substitutos dos velhos Mirage franceses, que já estão com 30 anos de uso. Durante almoço, na troca de presentes o presidente Lula deu a Putin um DVD do filme "Pelé Eterno", que narra a carreira do jogador. "Não tem importância que ele (Putin) não entenda português, porque a arte do Pelé não fala. Ela age", afirmou Lula.
Na hora do brinde, Lula brincou com Putin. "Embora o presidente (Putin) diga que não bebe bebida com alto teor alcoólico, nós vamos comemorar a presença dele no Brasil com uma cachacinha, tipicamente brasileira", disse.
Lula e Putin prometeram empenhar esforços no sentido de aumentar a "efetividade do sistema da Organização das Nações Unidas, de modo que a comunidade internacional possa enfrentar de forma eficaz os desafios e as ameaças na manutenção da paz e da segurança internacionais da promoção do desenvolvimento econômico e social".
Os dois países se comprometeram contribuir na "elaboração de estratégia para o combate de novos desafios e ameaças", tais como terrorismo, o crime organizado transnacional e o tráfico ilícito de narcóticos e armas. "O terrorismo não deve ser identificado com nenhuma nacionalidade, religião ou tradição cultural". Rússia e Brasil querem pressa na negociação dos projetos da Convenção Universal sobre Terrorismo Internacional e da Convenção Internacional de Combate aos Atos de Terrorismo Nuclear, sob a tutela da ONU.
Quanto ao Oriente Médio, ambos apoiam a implementação do "mapa do caminho" ¿ plano de paz chancelado pelos Estados Unidos, Rússia e União Européia, que ainda não saiu do papel. No combate à fome, os dois presidentes consideraram exitoso o encontro de líderes mundiais, em setembro, na ONU, durante o qual "se tornou patente a necessidade de uma renovada ação internacional de combate à injustiça social".
Lula elogiou Putin pela ratificação, pela Rússia da convenção que trata do limite de emissão de gases na atmosfera, conhecida como Protocolo de Quioto. "Este fato constitui avanço significativo no esforço de preservação de nosso planeta e, além disso, abre novos campos de cooperação".