Título: Brasil prepara-se para voltar a negociar
Autor: Claudia Mancini
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Internacional, p. A-9

Representantes do governo e do setor privado vão se reunir. G-20 se encontra segunda-feira. O governo e o setor privado do Brasil estão se preparando para a retomada das negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na próxima segunda-feira deverá ocorrer um reunião do G-20, em Genebra, convocada pelo País, para discutir um plano de trabalho para este semestre. E nos próximos dias, em Brasília, haverá uma série de reuniões temáticas de negociadores de ministérios, nas quais devem participar representantes do setor privado.

Os preparativos no setor produtivo incluem trabalhos de alguns representantes dessa área para a criação de uma fórmula de corte de tarifas de manufaturados. O que se busca é uma fórmula que ajude a reduzir picos tarifários em países desenvolvidos, "e que ataque a média num ritmo mais rápido naqueles países do que nas economias em desenvolvimento", disse uma fonte do setor. "Queremos algo que achate um pouco nosso pico tarifário, mas que não afete muito a nossa média", disse outra fonte. A média aplicada pelo Brasil é de cerca de 13%, a máxima é de 35%, mas a maioria fica na faixa de 20%. Os cortes serão nas tarifas consolidadas na OMC. No caso do Brasil, muitas das aplicadas estão acima das consolidadas. Países como Índia e União Européia já fizeram propostas.

Devido às eleições nos Estados Unidos e à troca de comissários da UE, em novembro, não se esperam grandes avanços neste semestre na rodada. Mas haverá várias reuniões técnicas e espaço para pressão. Para o chefe da delegação do Brasil na OMC, o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, até o fim do ano será dada muita ênfase em acesso a mercado de produtos manufaturados, em serviços e facilitação de comércio. São áreas em que os EUA e a UE são demandantes e, em especial nas duas primeiras, o Brasil está mais na defensiva. Cobrar abertura às vésperas de eleições e de mudança de comissários é, a princípio, uma situação cômoda politicamente.

Para bens industriais e facilitação de comércio não há nada resolvido. Em serviços, países que ainda não fizeram ofertas de liberalização, devem fazer até maio de 2005. Tudo ficou travado até haver definições sobre como negociar agricultura, o que ocorreu no final de julho.

Como o próximo passo em agricultura é discutir maiores detalhes para liberalização e derrubada de distorções ao comércio, o G-20 - formado por países em desenvolvimento que pedem derrubada de barreiras nesse setor - deverá trabalhar mais em simulações e avaliação de impactos de questões como fórmulas de redução tarifária, dizem negociadores e analistas. Isso deverá expor mais as fragilidades de cada país e as diferenças entre eles. A Índia, por exemplo, tem mais dificuldades em fazer cortes do que o Brasil. Mas a exposição dessas diferenças não significa que o grupo ficará mais frágil. O G-20 tem o hábito de discutir as posições para chegar a consensos, afirma André Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

"Acho que tudo é negociável no G-20", afirma Nassar. Isso porque o acordo agrícola prevê mecanismos que poderão acomodar as sensibilidades dos países do grupo. Esses mecanismos são listas de produtos sensíveis e especiais, que terão tratamento diferenciado, e salvaguardas para o setor.

Neste semestre, ou mesmo em 2005, o que se poderá ver também é uma movimento de aproximação do Brasil com outros países para fazer alianças. O chanceler Celso Amorim afirmou, semana passada, que o País poderá buscar alianças para defender seus interesses em outras áreas que não a agrícola, e que não é certo de que isso ocorrerá com todos os membros do G-20.

Segundo Ricardo Mendes, gerente de Projetos da Prospectiva Consultoria, em serviços a Índia poderá ter o papel ofensivo que o Brasil demonstrou em agricultura até agora. E vê espaço para uma aliança nessa área, embora a proposta indiana de liberalização seja mais ampla do que a brasileira, que foi bastante limitada. Os indianos são muito competitivos e demandantes, por exemplo, em exportação de serviços de tecnologia da informação. O Brasil pode ter alguma dificuldade em acompanhar a mesma agressividade dos indianos.

Mas os dois países são defensivos em telecomunicações e serviços bancários, diz Mendes. Alianças com países que já tem acordo de livre comércio com os EUA, e que prevêem ampla abertura em serviços, pode ser difícil. Nesse grupo de economias estão México e Chile, que hoje estão no G-20.

Na área industrial, a Índia e a Argentina, que têm interesse em proteger suas indústrias, também podem se aliar ao Brasil, afirma Sandra Rios, consultoria da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB). As duas economias foram as que mais se aproximaram da posição brasileira de não defender a eliminação total de tarifas para alguns setores, como querem os países desenvolvidos. Segundo alguns analistas, novas alianças do Brasil poderão não ser, necessariamente, formais como o G-20. Geralmente esse tipo de coalizão é formada para a área agrícola, a área mais difícil de se negociar.