Título: Os enigmas do desenvolvimento
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/11/2004, Opinião, p. A3
Três fatos ocorridos nos últimos dias recolocam mais uma vez em evidência as antigas divergências e discussões entre monetaristas e desenvolvimentistas. Primeiro, a demissão de Carlos Lessa da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na quinta-feira da semana passada. Dois dias depois, a morte de um dos mais notáveis economistas políticos do século XX e estudioso incansável dos problemas do desenvolvimento, Celso Furtado. E, nesta segunda-feira, a homenagem da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e da Editora FGV ao economista Luiz Carlos Bresser Pereira, outro dedicado entusiasta do desenvolvimentismo.
As divergências entre essas duas correntes do pensamento econômico ficam evidentes na entrevista que Bresser Pereira concedeu a este jornal, publicada na edição de ontem, com críticas à política de metas de inflação e de juros altos. Mas com a ressalva: "O que temos a nosso favor é que o crescimento econômico no governo Lula será melhor do que no do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso". Um crescimento que, até agora, segundo ele, foi fruto da desvalorização da taxa de câmbio em dois momentos de crise do governo FHC, o que está permitindo ao País ter superávit em conta corrente.
No último texto publicado por Celso Furtado na imprensa, há 15 dias, no Jornal do Brasil, intitulado "Cultura neoliberal e reforma fiscal", o economista fez o diagnóstico das condições objetivas que estão por trás da política econômica oficial. Ele afirma: "(...) se as taxas de juros não forem suficientemente altas (e as do Brasil inscrevem-se entre as mais altas do mundo) os capitais estrangeiros não se sentem atraídos a investir no país; sem esses investimentos externos (os setores internos não dão conta das necessidades e acumulam um passivo considerável), o país tem pouca margem para crescer". No entanto, "apelar imoderadamente para os investimentos externos", diz Furtado, "é aumentar de forma considerável a nossa dívida; da mesma maneira, promover o crescimento sem critérios sociais tende a agravar fortemente a concentração da renda". A solução para ele é a reforma fiscal, que, entretanto, não tem obtido o apoio do Congresso Nacional.
Na prática da vida econômica nacional, as divergências entre monetaristas e desenvolvimentistas estão presentes nas atuais contradições entre o capital industrial e o sistema financeiro, explicitadas em diversos pronunciamentos de lideranças industriais, em especial do novo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf.
Atualmente, na avaliação de Bresser Pereira, os empresários brasileiros estão divididos entre os rentistas e os empresários produtivos. Para o professor da FGV, o governo Lula "vive essa contradição entre o grupo de rentistas e o sistema financeiro, de um lado, e o grupo de industriais e de trabalhadores do setor real, do outro. O governo tem dificuldades de opção, porque o grupo de rentistas tem apoio lá fora".
Outra questão que merece a reflexão de economistas, empresários e governo é levantada por Bresser Pereira: "Até que ponto, num mundo globalizado, é possível haver uma política claramente nacional?" A resposta do professor da FGV é que (ao contrário do Brasil) China, Indonésia, Tailândia, Malásia e Coréia têm uma política claramente nacional. Na opinião dele, um governo só será bem-sucedido no Brasil se conseguir restabelecer a aliança da burguesia nacional com os técnicos do governo e os trabalhadores.
Essa questão também preocupava Celso Furtado, que, no prefácio de seu livro "O Longo Amanhecer ¿ Reflexões sobre a Formação do Brasil", indaga: "Que margem de autonomia nos resta para interferir no desenho de nosso porvir como Nação?" Nos ensaios publicados no livro, Furtado responde a questão. Para ele, o modelo de desenvolvimento deve ser concebido a partir das peculiaridades de cada país, mas levando em conta os constrangimentos do quadro internacional.
A proposta mais desafiadora de Furtado em relação ao futuro econômico do País está no ensaio "A Busca de Novo Horizonte Utópico", quando diz que, no caso do Brasil, "o caminho mais curto para o desenvolvimento continuará a ser por muito tempo o dinamismo do mercado interno".
Com um território continental e um mercado potencial de 182 milhões de habitantes, o Brasil está diante de mais um dilema proposto por Furtado: "Optar pela linha mais fácil de renunciar a um projeto próprio, ou lutar para abrir caminho no sentido de privilegiar o desenvolvimento do mercado interno."
O futuro do Brasil depende da resposta que será dada pelo governo e sociedade a esse e aos demais dilemas propostos por uma esfinge que desafia nosso saber e nosso projeto nacional kicker: "Que margem de autonomia nos resta para interferir no desenho de nosso porvir como Nação?"