Título: Dobrem os sinos, o mais rápido
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 09/04/2011, Política, p. 4

¿ Deus se esqueceu dela ou esta é a nossa realidade? Nilza da Cruz Ferreira, 63 anos, passou as últimas horas tentando entender a morte da neta, Karine Lorraine Chagas de Oliveira, 14 anos. ¿Aquele rapaz levou a minha vida¿, repetia a senhora aos prantos, em frente à escola municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. Era manhã de quinta-feira, pouco depois de Wellington Menezes de Oliveira, ¿aquele rapaz¿, disparar contra 12 crianças e deixar um país perplexo. No caso de dona Nilza, a própria fé, mesmo que por um segundo, foi destruída.

O assassinato das crianças é uma pequena morte para cada um dos brasileiros. A perplexidade é de todos, por mais que as explicações para a tragédia sejam particulares. Os sinos dobram pelos meninos e meninas enterrados ontem, mas também soam por você, por mim. Como no poema de John Donne, ninguém é uma ilha. E, todos, gente comum e políticos, tentam explicar a tragédia. Fiquemos com os políticos. Da cabeça de alguns deles, saíram frases esdrúxulas. Aos fatos, pois.

Passado o espanto inicial da notícia ¿ se é que tal coisa já passou ¿, as autoridades reagiram com discursos. Dilma Rousseff interrompeu duas solenidades para pedir um minuto de silêncio pelas vítimas de Realengo. Chorou o choro de cada um dos brasileiros. Stepan Nercessian, ator e deputado fluminense pelo PPS, disse que é urgente discutir o acesso indiscriminado a munições e armas no Brasil.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), anunciou um esforço concentrado para desengavetar propostas de segurança pública, seja lá o que tal ação possa significar de fato. ¿Temos de pensar em medidas de prevenção¿, disse. O problema é que nas comissões do Congresso existem 30 projetos que tratam de violência nas escolas. Todos parados.

José Sarney encarnou o defensor das mudanças no estatuto do desarmamento. O presidente do Senado disse que o Congresso deve examinar a lei e defendeu a proibição da venda de armas no Brasil. Antes, o peemedebista classificou o ato de Wellington de terrorismo. Não há nada até agora que evidencie a ação do atirador como ato político ¿ denominá-lo de terrorismo é impreciso, no mínimo.

Segurança A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) evocou valores da sociedade ¿ outra vez, seja lá o que isso signifique. ¿Claro que políticas públicas são importantes. Mas nesse caso, tratamos também dos valores de uma pessoa. O que leva alguém a cometer esse tipo de crime? Podemos falar em mais leis, mas é uma questão de valores¿, tentou resumir a senadora. É pouco para uma autoridade, afinal, a política de armamento foi ao longo do tempo discutida de forma um tanto demagógica e populista.

Mas o discurso com mais impacto saiu da cabeça do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Ao lado de Eduardo Paes, Cabral foi até a escola Tasso da Silveira para uma coletiva de imprensa. Depois de se dizer ¿chocado¿ com o caso, deu algumas informações sobre o massacre. Não satisfeito, entretanto, cravou: ¿Temos obrigação de dar o nosso apoio às famílias das meninas e dos meninos jovens, vítimas desse psicopata, desse animal, dessa brutalidade¿, disse, de forma pausada.

A perplexidade dos assassinatos de crianças do Rio de Janeiro pode provocar todos os tipos de reações. Temos o direito de rogar pragas para cima do atirador. A repulsa contra o ato é humana e legítima. Mas do que adianta chamar o atirador de ¿animal¿, como fez o governador do Rio? Não existe efeito prático algum em tal frase, senão o de tentar buscar a simpatia da plateia, indignada com os assassinatos. É uma frase de efeito, que pouco contribui para deixar a família ou a sociedade confortada.

Qualquer um pode chamar o atirador de animal, cachorro, satanás. Mas isso vai mudar alguma coisa? Ou melhor: a realidade de dona Nilza, que teve a neta assinada, será diferente? Duvido.