Título: Inadimplência cai e os juros sobem
Autor: Otto Filgueiras, Janaína Leite e Silmara Cossolino
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/11/2004, Nacional, p. A4

Estudo do Iedi mostra que taxa de juros reais eleva-se a despeito da redução do risco para o emprestador. Se houvesse um ataque de bom senso no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para baixar os juros da taxa Selic para zero, o que é impossível, ainda assim, por causa do alto sread bancário, o custo do dinheiro no Brasil seria de 28,1% ao ano, a maior taxa de juros em todo o mundo, afirmou ontem o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial (Iedi).

O economista baseia suas conclusões nos dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC), que mostram que o spread bancário - a diferença entre taxa de captação e taxa aplicada aos requisitantes de crédito - vem crescendo desde julho, apesar da queda no índice geral de inadimplência: 7,2% em outubro de 2004, contra 7,5% no mês anterior e 8,6% em outubro de 2003.

O diretor do Iedi diz que "o movimento não é condizente com as teses que correlacionam os altos níveis de spreads e o risco do emprestador com a alta inadimplência do crédito. Por isso, diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, o Iedi entende que o governo precisa adotar medidas efetivas para sanar o problema.

A despeito de a taxa de juros ser muita alta, Júlio de Almeida observa que o volume de crédito está aumentado para a indústria. Segundo ele, o volume de crédito destinado ao setor industrial teve em outubro o seu maior crescimento em 2004. Nesse mês, as operações de crédito para a indústria atingiram o montante de R$ 123,6 bilhões, 2,2% acima do resultado de outubro de 2003 já descontados os efeitos inflacionários. Foi o sexto crescimento consecutivo ao longo do ano.

Mas o economista afirma que os dados divulgados ontem pelo BC demostram que "o aumento ocorreu em virtude da maior liberação de recursos para empresas de equipamentos elétricos e alimentos". E a despeito do significativo aumento registrado pelo crédito em direção aos setores industriais, verificado a partir do segundo quadrimestre de 2004, o economista do Iedi diz que" a elevação do crédito não acompanhou a trajetória de expansão registrada pela atividade creditícia como um todo durante o mesmo período".

Embora a atividade industrial já venha crescendo há meses, a indústria foi o último setor a elevar a tomada de crédito, extamente porque os juros são elevados. O economista diz que a elevação registrada nos dados do BC ocorreu em razão do aumento de crédito para pessoas físicas. Ou seja, para o consumo. Segundo ele, outra característica da evolução é que o volume de crédito total (recursos livres e direcionados) foi de R$ 472,8 bilhões em outubro, um valor correspondente a 26,9% do PIB e 12% maior em termos reais em relação ao mesmo mês de 2003. Ele destaca que desde dezembro de 2003 não se observa decréscimo do volume real do crédito.

Mais capital de giro

Mas, diz Júlio de Almeida, "os dados do BC mostram que as expansões em capital de giro e conta garantida, que foram expressivas, refletiram fatores sazonais associados às vendas de fim de ano e à ampliação dos negócios relacionados com a atividade agrícola".

Por sua vez, as operações de crédito com recursos livres destinados às pessoas físicas atingiram em outubro um volume de R$ 108 bilhões, com variação real de 17,7% no comparativo mesmo mês do ano anterior. O diretor do Iedi ressalta o papel desempenhado pelos empréstimos consignados em folha de pagamento, "que expandiram admi-ravelmente tal segmento creditício, contribuindo para o incremento do nível de atividade dos setores produtivos e varejistas".

As operações com recursos livres para pessoas jurídicas variaram 13,5% em termos reais, atingindo a quantia de R$ 159,9 bilhões. Mas a taxa de juros média do crédito passou de 45,1% ao ano, em setembro, para 45,6% anuais em outubro, uma variação de 0,5 ponto percentual. Com este patamar de juros, diz o diretor do Iedi, "é superado o nível de taxa mais elevado anteriormente alcançado em 2004, ou seja, em janeiro desse ano que ficou em 45,4% ao ano.

O peso dos juros nas empresas

A taxa de juros média relativa ao crédito para pessoa física manteve-se em 63,2% e sem variação entre setembro e outubro. Os juros cobrados de pessoas jurídicas tiveram aumento de 0,7 ponto percentual no período, situando-se em 31,1% ao ano, maior taxa desde novembro de 2003, quando chegou em 32,3% ao ano.

Segundo o economista do Iedi, dentre os componentes que formam a taxa de juros total, o spread bancário foi o principal determinante para seu aumento em outubro. Com relação ao mês anterior, na média global, o spread aumentou 0,4 ponto percentual, passando de 27,7% para 28,1%. Enquanto isso, a taxa de captação atingiu 17,5%, variando no período em questão 0,1 ponto percentual.

De acordo com o BC, no mês passado, o prazo médio das operações diminuiu três dias corridos, caindo de 194 para 191 dias.

Em média, todas as modalidades de crédito para as empresas - prefixada, pós-fixada e flutuante - ficaram mais caras. A elevação mais acentuada nas linhas prefixadas foi notada na Hot Money, cujos juros passaram de 50,9% para 52,8% anuais entre setembro e outubro.

Já as pós-fixadas tiveram como destaque os contratos de ACC, calculados com base em moeda estrangeira. De acordo com o BC, a taxa de aplicação, que era de 23,3% há dois meses, cresceu para 24% em outubro. Nas operações flutuantes, vinculadas à variação do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) ou aos juros básicos (Selic), houve alta no mês passado de 0,2% nas linhas de capital de giro (27,2%), de 0,6% na conta garantida (24,6%) e de 0,9% nos créditos para aquisição de bens.

Do volume total dos financiamentos ofertados via sistema financeiro, as instituições privadas foram responsáveis pelo repasse de R$ 288,4 bilhões, 3% além do aferido em setembro e melhor em 18,6% no ano. Conforme o BC, principalmente nos segmentos de pessoas físicas, outros serviços e indústrias. Os bancos públicos, por sua vez, emprestaram R$ 184,5 bilhões, um acréscimo de 1,2% na comparação de outubro com setembro. No ano, o incremento chega a 10,6%, com destaque para os setores rural e de outros serviços.

kicker: A indústria foi o último setor a demandar mais crédito, porque os juros são elevados