Título: Empresas ampliam foco para atrair a classe C
Autor: Regina Neves
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Mídia & Marketing, p. A-14

Aumento da renda na base da pirâmide social a partir do Plano Real atrai companhias antes voltadas só ao público AB. A classe C, que teve aumentado o seu poder de compra no auge do Plano Real, chega, agora, apesar da queda observada em todas as faixas de renda nos últimos anos, a um segundo patamar no mundo do consumo. Pelo menos é o que empresas de segmentos tão variados quanto supermercados, TV paga, editoras e cartões de crédito estão descobrindo ao investir em produtos que não faziam parte do leque de preferências dos consumidores da base da pirâmide econômica. O preço, evidentemente, pesa, nas várias estratégias voltadas a esse público.

É o caso, por exemplo, das vendas de vinho pela rede de supermercados CompreBem, a bandeira popular do grupo Pão de Açúcar. Conhecido pelo seu sistema diferenciado de venda de vinhos, por meio de um grupo de atendentes treinados, inclusive com viagens às maiores regiões produtoras do mundo, e que dão atendimento especial nas lojas Pão de Açúcar, o grupo resolveu apostar também em vinhos na sua rede popular. "Não tínhamos condições de usar o mesmo sistema de atendentes, pelas características do CompreBem, mas criamos um sistema apoiado em ampla divulgação, que deu excelentes resultados", diz a gerente de marketing da rede CompreBem, Alexandra Jacob Santos.

Dirigida especialmente aos consumidores das classes C e D, a divisão com 160 lojas espalhadas principalmente pela região da Grande São Paulo e baixada Santista, além de Atibaia, Jundiaí, São Carlos, Santa Bárbara d¿Oeste, Ribeirão Preto, Franca e Rio Claro, no interior paulista.

Nos últimos dois anos, a empresa já realizou mais de 40 pesquisas com o objetivo de estudar o hábito de compra do seu público-alvo. O mais importante desses estudos aconteceu no fim de 2003, em que executivos da empresa fizeram uma imersão na casa de alguns clientes e por uma semana conviveram com as famílias das classes C/D do café da manhã ao jantar. Dessa vivência surgiu diagnóstico que resultou em mudanças significativas na área de operações e comunicação da bandeira. É o caso, por exemplo, da Feira de Domingo, da Revista CompreBem (mensal), do Expressinho CompreBem, que entrega em casa as compras feitas até 16 horas, ou o Cartão Clube CompreBem.

Para incrementar as vendas de vinho, a rede CompreBem organizou, nos meses de junho e julho, um festival no qual foram oferecidos vinhos como os argentinos Santa Ana e Rincón de Oro e nacionais como Miolo Seleção, Salton Classic Merlot, Cabernet Sauvignon e Tannat e vinhos Marcus James. Os preços oferecidos variavam de R$ 8, para os argentinos, a R$ 14, para nacionais como Salton e Miolo. "A resposta foi muito boa. Houve um crescimento médio de 60% sobre o ano passado", conta Alexandra. Segundo a executiva, a venda de vinhos populares cresceu 95%. De vinhos reserva, 40%, e os argentinos cresceram 170%.

"Nossa mensagem foi `experimente algo diferente; não é tão caro assim¿ e foi muito bem aceita. As pessoas perceberam que podiam se dar um prazer extra que não extrapolava seu orçamento." Segundo Alexandra, a divulgação foi feita nos tablóides, com material de ponto-de-venda, e por meio da revista mensal CompreBem, com 1,7 milhão de exemplares grátis. Segundo a executiva, os vinhos, hoje, já são uma linha regular na rede.

A Editora Abril já havia descoberto o filão da classe C há oito anos e, segundo Andrés Bruzzone, superintendente da unidade de negócios de alto consumo, os resultados têm sido muito bons. A Abril focou especialmente a mulher da classe C com base num levantamento do Ibope Solution feito, na época, a pedido da própria editora, que mostrou que as mulheres da faixa intermediária da pirâmide social vinham diversificando sua cesta de compras e já representavam um consumo significativo para produtos tradicionalmente oferecidos às classes A e B.

A pesquisa foi apresentada no livro "Mulheres da Classe C - Segmentação. Uma mesma classe. Diferentes realidades" , lançado pela Abril e distribuído a um grupo de mil CEOs de grandes empresas e agências de publicidade. Um dos números que se destacaram na pesquisa é o fato de 90% das mulheres da classe C considerarem a leitura fator importante para o desenvolvimento pessoal e profissional.

O estudo indicava ainda que 54% delas lêem revistas, o que levou a editora a lançar títulos específicos. Conta Bruzzone que o investimento da editora neste segmento começou com o lançamento da semanal "Anamaria", "voltada para mulher com filhos que tem olhar sobre o mundo" e houve um grande retorno. Depois foi a vez de "Viva", destinada à mulher que trabalha, outro grande sucesso nas bancas, a que se seguiram outras como "Minha Novela" e "Tititi".

Bruzzone conta que a adaptação a este novo público começou na própria redação. "Os jornalistas tiveram que aprender a falar com esse público. Foi um aprendizado para todos os níveis da empresa". Essas revistas correspondem hoje a 800 mil exemplares semanais, 15% do mercado de revistas. Bruzzone conta também que ao longo desses anos as revistas foram mudando conforme essa mulher mudava e que hoje têm acesso à internet e usa celular, por exemplo. Para o executivo, a mídia impressa tem contribuído essencialmente para todas estas mudanças de hábitos. "É uma mídia que qualifica o trabalho mais que a mídia eletrônica."

A TVA também está de olho no potencial de consumo da classe C. Nos últimos anos, passou a oferecer pacotes básicos, hoje a partir de R$ 42,90. A TVA, empresa do Grupo Abril, é a primeira operadora a cabo a oferecer serviços digitais na TV.

Segundo Vito Chiarella Neto, diretor de relacionamento com cliente e comercial da TVA, se com a TV analógica já há bons resultados na conquista dos consumidores da classe C, a situação pode melhorar ainda mais com a digitalização. "Com o novo sistema, vamos oferecer 15 pacotes de preços diferenciados a partir de R$ 56 e vamos também baixar o preço do analógico", fala Chiarella. Hoje a classe C responde por cerca de 20% dos assinantes da TVA.

Estratégia na mesma direção foi adotada pela Sky Brasil, a maior da TV por assinatura por satélite no País, com mais de 800 mil assinantes. O serviço, nitidamente voltado às classes AB - já que a compra do equipamento, como antena miniparabólica e moden sai a R$ 600 reais, fora a mensalidade -, busca neste momento aproveitar os usuários de 15 milhões de antenas parabólicas grandes pulverizadas pelo País. Até outubro, vai disponibilizar um pacote a preços acessíveis a esse público, que poderá agregar canais aos já captados. A tecnologia que vai associar as bancas KU (mini parabólicas) e C (grandes) foi desenvolvida em moden pela Philco.

Também a Credicard acaba de criar o Credicard Brasil para ampliar as opções de crédito para um segmento de brasileiros que têm renda entre R$ 300 e R$ 500. Lançado com a bandeira MasterCard, o Credicard Brasil tem por meta conquistar 500 mil cartões até o fim de 2004. Para isso, a Credicard desenvolveu um produto que, além do crédito, oferece sorteios semanais e mensais pela Loteria Federal.

Resultado de um investimento de R$ 1 milhão, o Credicard Brasil foi criado para reforçar a aposta da Credicard em um segmento com grande potencial de expansão: desde 1994, o mercado de cartões registra um aumento significativo da penetração do dinheiro de plástico nos segmentos de baixa renda, um mercado estimado em 15 milhões de portadores. A Credicard foi a primeira a oferecer cartão de crédito para o público de baixa renda, ainda em 1997, com o cartão Credicard Redeshop.

O Credicard Brasil amplia a oferta de produtos para esse segmento. Segundo a professora Maristela André, diretora de talentos da ESPM Business School e que tem uma tese de doutorado sobre comportamento do consumidor, desde o Plano Real e com a razoável estabilização que ele trouxe, a classe C passou a ter acesso a determinados bens de uma forma gradativa. "Mas o grande fenômeno, mais do que a estabilização de preços foi a disseminação do maior acesso à informação, que considero o ponto principal nesta mudança de hábitos de consumo", diz Maristela.

"Esta classe, mais suscetível a preços, aprendeu que tinha de calcular juros e não confiar mais em prestações sem fim. Passou a ter um consumo mais criterioso", informa a especialista. Segundo Maristela, os consumidores da classe C ficaram mais sensíveis em avaliar a qualidade dos produtos em razão do seu maior acesso à informação.