Título: Imagem dos EUA piora entre latino-americanos
Autor: Andréa Ciaffone
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Mídia & Marketing, p. A-14

Na Vila Olímpica dos Jogos de Atenas, a delegação brasileira ficou hospedada justamente entre as delegações dos Estados Unidos e de Israel, ambas sob forte proteção. Segundo o que foi comunicado aos atletas verde-amarelos, a localização não foi casual. A explicação que os atletas ouviram para essa localização é que tratava-se de uma opção estratégica: como o Brasil é reconhecido como um país pacífico, sem inimigos externos ou terrorismo, e os brasileiros têm uma reputação de serem amigáveis e animados, essa distribuição nacional ajudaria a elevar o astral da Vila Olímpica e não geraria um gueto dos belicosos.

"Como ocorre com as marcas, a imagem de um país no exterior é determinante para sua avaliação em termos de simpatia por parte de outras nações", afirma Rossiq Licha, vice-presidente da norte-americana Fleishman Hillard, maior empresa de relações públicas do mundo, com 83 escritórios em 22 países e mais de 2 mil clientes e que é considerada a principal nesta disciplina no Grupo Omnicom, que mantém o primeiro lugar mundial.

"Quando quesitos como cultura, liberdade de expressão, de imprensa e religiosa, segurança jurídica e até o papel no processo de globalização são avaliados isoladamente, os EUA gozam de grande prestígio internacional", afirma Licha, baseado nos estudos realizados pelos institutos The Pew Project Global Atittudes e Latinobarômetro. "No entanto, é a sua política externa que lhe rende uma imagem geral que vem se deteriorando desde a Guerra no Iraque", diz o especialista em estratégia corporativa, aconselhamento de políticas públicas, relações governamentais e gerenciamento de crises. "Exceto pela questão da Guerra do Iraque, a imagem mundial dos EUA é muito boa na maioria dos aspectos", afirma Licha. Pesquisa realizada com 66 mil pessoas entre 18 e 70 anos em 49 países e Palestina pela The Pew Global Attitudes Project e pelo Latinobarômetro mostra que as pessoas admiram as marcas, a cultura, as liberdades e a segurança jurídica dos EUA, mas se ressentem do seu discurso político.

Dos países pesquisados, o maior prejuízo na imagem norte-americana ocorreu na França. Em 2002, 72% dos franceses eram favoráveis aos EUA. Em 2003, ano da Guerra no Iraque, o percentual despencou para 58% e continuou a cair neste ano. Hoje, apenas metade (53%) do povo que deu a Estátua da Liberdade de presente para os norte-americanos vê os EUA com bons olhos. Até com os britânicos, tradicionais aliados dos norte-americanos e parceiros na Guerra do Iraque, o percentual de aprovação dos EUA caiu de 83% em 2002 para 80% em 2003 e encolheu para 73% em 2004. Entre os alemães e russos, a queda foi menor, mas ocorreu.

No Oriente Médio, a imagem norte-americana sofreu prejuízos sensíveis. Na Jordânia, a aprovação dos EUA mergulhou de 53% para 18% em 2003 e se estabilizou em 21% neste ano. No Marrocos, o índice de aprovação dos EUA foi de 54% para 37%. Na Turquia, a variação foi mínima sobre um índice de aprovação baixo de apenas 32%.

Na América Latina, segundo um estudo feito pelo Latinobarômetro para o Banco Mundial, a simpatia geral pelos EUA vem diminuindo drasticamente. Numa das etapas da pesquisa, foi perguntado qual a opinião das pessoas em diversos países sobre os EUA. Dos resultados "muito bom" e "bom" são subtraídos os resultados "ruim" e "muito ruim". Por causa desta metodologia, a imagem dos EUA chegou a ser avaliada abaixo de zero.

No Brasil, a imagem americana ficou ligeiramente acima do 0, com algo em torno de 9%. No Uruguai e na Bolívia respectivamente ainda mais próximos do zero. No México, a imagem dos EUA foi avaliada cerca de 20 pontos abaixo de zero e na Argentina, teve seu pior resultado, menos 30%. Em todos os países latino-americanos, a percepção sobre os EUA piorou. A menor piora foi na América Central com uma variação de "apenas" 20 pontos entre 2000 e 2004. O maior desastre de imagem foi na Argentina, com uma queda de mais de 50 pontos. "Em termos econômicos, entretanto, o país perdeu muito pouco com a questão da imagem", afirma Licha, que tem origem libanesa, nasceu em Porto Rico e tem cidadania norte-americana. Segundo Licha, que é responsável pela América Latina na Fleischman-Hillard, a queda dramática no ingresso de turistas se deu inicialmente por medo do terrorismo e depois por causa das medidas de segurança que restringiram a concessão de vistos. "Mas não acredito que tenha sido por falta de desejo de visitar os EUA."

"Os principais prejuízos ocorreram no âmbito da diplomacia externa", completa. O maior erro da administração Bush teria sido o choque entre o discurso político interno e o externo, que em vários momentos foram até discrepantes. "Com o atual desenvolvimento das comunicações, todo mundo percebe rapidamente quando há ambigüidade ou disparidade nos discurso políticos", observa. Para resolver a questão da imagem, segundo o especialista, a nação mais rica do mundo terá de trabalhar melhor sua imagem externa. "A marca-país se forma a partir do que as pessoas percebem do pais diretamente ou via terceiros num processo de prova e reforço em áreas como política exterior, ajuda, comércio, discurso público, cultura, turismo e marcas."

Para o consultor, exceto pelas duas últimas, que estão ligadas à esfera privada e que têm obtido bons índices de popularidade mundial, os EUA têm muito trabalho a fazer em todas as outras. "É preciso um projeto de relações públicas muito consistente e a longo prazo para alterar a imagem de um país."