Título: Agricultura avança sobre a pecuária
Autor: Neila Baldi
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2004, Agribusiness, p. B-14

Em dois anos, pasto perdeu 4,9 milhões de hectares para o cultivo dos grãos em todo País. A pecuária está perdendo espaço, literalmente, no País. Ao mesmo tempo em que a produção de carnes cresce, diminui a área com pastagens. E quem ganha com isso é a agricultura.

Os preços das commodities, que incentivaram a produção de grãos, a maior rentabilidade econômica da agricultura sobre a criação de gado e o ganho de produtividade na pecuária, que não necessita mais de grandes espaços, explicam a expansão da agricultura nas áreas de pasto. E a tendência, segundo analistas, é continuar essa reversão por alguns anos.

De acordo com levantamento da Embrapa Gado de Corte, nos últimos dois anos houve um repasse de 4,9 milhões de hectares da pastagens para os grãos e apesar disso o rebanho cresceu no ano passado 4,6%. Estudo da Scot Consultoria mostra que entre 2001 e 2003, a área de pastagem diminuiu 2,74%, com maior variação no estado do Paraná (17%). A previsão é que, em 2005, os pastos tenham 171 mil hectares, ou 2,5% a menos do que hoje.

Pesquisa da Bunge Brasil indica que o País tem capacidade de triplicar a área cultivada com grãos nos próximos anos, chegando a 150 milhões de hectares, utilizando áreas degradadas de pecuária e novas fronteiras do Centro-Oeste e Norte do País. O levantamento mostra também que, até 2010, o Brasil poderá estar produzindo 150 milhões de toneladas de soja e milho, respondendo por 30% do aumento da demanda mundial por esses grãos.

"Fora do cerrado, a agricultura cresce no pasto nativo ou plantado", diz Daniel Dias, analista da FNP Consultoria. Segundo ele, existem hoje aproximadamente 120 milhões de hectares a serem aproveitados, sendo metade no cerrado e o restante, de pastagens. Para o pesquisador Luiz Roberto S¿Thiago, da Embrapa Gado de Corte, nos últimos anos a pecuária vem cedendo área de pastagem para a agricultura por conta de sua tecnificação. Prova disso, segundo ele, é o fato de o rebanho neste período ter aumentado.

"Com tecnologia, adubação de pastagens e suplementação alimentar é possível colocar mais animais em uma mesma área", afirma. Além disso, o pesquisador acrescenta que cada vez mais o produtor precisa abater o animal mais cedo, o que exige mais tecnologia. Para S¿Thiago, outro motivo da troca é o fato de em regiões como o Sudeste a terra ter valorizado muito, ficando caro produzir gado. "A agricultura tem retorno mais rápido", afirma o pesquisador da Embrapa.

Migração de rebanho

"Os dados mostram aplicação de tecnologia e também que está havendo migração de rebanho para o Norte do País", diz Fabiano Tito Rosa, analista da Scot Consultoria. No entanto, segundo ele, essa tendência pode se tornar um problema, pois a logística e infra-estrutura de frigoríficos não está acompanhando esse crescimento e o solo pode não suportar a quantidade de animais.

Na região de Bagé (RS), tradicional pela pecuária extensiva, a área de soja já ocupa 25 mil hectares, segundo a Embrapa Pecuária Sul. No entanto, o pesquisador Jocely Portela diz que o solo da região é próprio para a pastagem e que, em função da decadência da pecuária de corte na localidade - devido à concorrência como o Centro-Norte do País -, para aproveitar os campos nativos os produtores poderiam criar ovinos, cujo impacto no solo é menor. Ele acredita também que se fizer integração da pecuária com a lavoura poderá reduzir os riscos de degradação do solo. No entanto, segundo ele, sorgo e arroz seriam as culturas mais adequadas para a região.

De acordo com o consultor da BM&F no Centro-Oeste, João Pedro Cutri Dias, no ano passado, a soja aumentou em 300 mil hectares a área cultivada e basicamente utilizou antigas pastagens degradadas. "A intensidade desta mudança vai variar com a rentabilidade dos grãos", afirma. Segundo ele, no sul de Mato Grosso do Sul, muitos pecuaristas estão arrendando suas terras para agricultores.

No município de Maracaju (MS), a área de agricultura já é maior que a de pecuária. Em 1997 existiam 350 mil hectares com pastagem e 75 mil hectares com soja. Hoje, a situação se inverteu: 210 mil hectares de soja e 190 mil hectares de pasto. Segundo o presidente do Sindicato Rural de Maracaju, Eduardo Corrêa Riedel, enquanto neste período os preços das commodities estiveram em alta, os das pecuária mantiveram-se estáveis.

Integração

Os bons preços das commodities fizeram com que a produtora Cláudia Garcia Martins trocasse sua área de pasto por agricultura. Há cinco anos, sua fazenda tinha 1,7 mil hectares com pecuária e 200 hectares com soja. Hoje são 1,2 mil hectares de agricultura e o restante com gado. "A intenção é fazer integração da pecuária com a agricultura, pois a criação de gado sozinha não paga a recuperação do solo", afirma. Nesse período, 170 hectares com soja já retornaram à pastagem e, com isso, Cláudia acredita que melhorou a produtividade do gado.

"A integração com a pecuária acaba com a degradação e dá mais sustentabilidade econômica", afirma Homero Aidar, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão. A instituição encaminhou ao governo proposta para a criação de um programa de integração entre lavouras e rebanhos pecuários na região do cerrado. A proposta busca a recuperação de 2 milhões de hectares de pastagens degradadas para aumentar a produção de carne e de leite. "A pecuária não consegue competir com a agricultura. Com a integração, o produtor sai ganhando, pois aumentam os resultados alcançados com as duas atividades", afirma Cutri Dias.

O produtor Sandro Luiz Mendonça, de Nioaque (MS), tem usado a agricultura como forma de recuperar a pastagem e também ter retorno financeiro mais rápido. Ele está cultivando 80 hectares de mandioca e diz que está conseguindo R$ 1000 por hectare, enquanto que com o gado obtinha R$ 400 no mesmo espaço. Mas o analista Rosa afirma que o avanço da agricultura em áreas de pecuária está fazendo também com que haja abate de fêmeas, que futuramente pode provocar a falta de bezerros. "Com isso, o preço da arroba melhora e o produtor volta a investir em pecuária".