Título: Desobstruindo a pauta da Câmara
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/11/2004, Opinião, p. A-3

A desobstrução da pauta da Câmara, empacada pelo acúmulo de medidas provisórias (MP), evidencia a urgência do realinhamento das lideranças políticas da base parlamentar do governo, para fazer fluir o processo legislativo. Estruturalmente, esse impasse que se repete dezenas de vezes ao longo dos anos, demonstra que o País precisa revisar seus mecanismos legislativos para operarem de acordo com o melhor funcionamento do regime presidencialista, adequando esses dispositivos, concebidos para o parlamentarismo, que se colocam como verdadeiros obstáculos para o funcionamento no sistema presidencial, como é o caso das medidas provisórias.

Neste caso, bombardeadas pelas críticas a seu uso exagerado pelo Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado, aperfeiçoaram o dispositivo, buscando dsestimular seu uso, encaminhando-o no sentido contrário a seu espírito. O objetivo desse instrumento de legislação pelo Executivo, para atuar em situações de emergência, é dar velocidade ao processo, e não obstruí-lo, como vem ocorrendo. Embora os decretos-leis sempre tenham existido no Brasil, com vários nomes que se mudam ao longo do tempo, na Constituição de 1988 as medidas provisórias deveriam aparecer como um instrumento para agilizar a administração, que, neste caso, estaria sob responsabilidade direta de um gabinete manejado pelo Congresso. Entretanto, com a ação de governantes presidencialistas sobre a Constituinte, como o presidente da República, José Sarney, e alguns dos mais poderosos governadores, entre os quais o de São Paulo, Orestes Quércia, o sistema parlamentarista caiu, sem que a Constituição sofresse todas as readaptações necessárias a seu bom funcionamento.

Este defeito na origem foi agravado pela obrigatoriedade de apreciação parlamentar das MP em 30 dias, sob pena de trancar-se a pauta das casas das câmaras. No regime militar, os decretos-leis do Executivo eram instrumentos de enfraquecimento ou, até, de eliminação da influência parlamentar sobre a legislação ordinária. Os generais presidentes emitiam seus decretos que se transformavam automaticamente em leis, caso não fossem votados em 30 dias pelo Parlamento. Com isto, praticamente eliminou-se a iniciativa do Congresso e provocou-se a omissão das casas legislativas nos temas tratados pelos decretos do Executivo. Objetivando mudar o sinal, às medidas provisórias impôs-se uma restrição com sinal contrário. Com isto, foi necessário criar um obstáculo para impedir o Congresso de se omitir. Assim, ao trancar a pauta, as MP transformaram-se em verdadeiros entraves ao bom funcionamento da atividade parlamentar.

Por causa dessa deformação, as medidas provisórias passaram a exigir dos parlamentos uma ação negociadora sem precedentes na história legislativa do País, exigindo ação rápida das lideranças. Velocidade não é uma característica dos parlamentos, em lugar algum do mundo. Pelo contrário, a composição dos interesses que se processa na negociação política é, necessariamente, lenta, incompatível com os prazos exíguos.

Chegando ao Congresso, as MP entram em clima de impasse. Normalmente são emitidas por pressão do Executivo, no máximo negociadas com grupos de pressão. Entretanto, têm valor de lei tão logo são publicadas no Diário Oficial, produzindo, imediatamente, efeitos. Sua revogação é um problema, especialmente para os negócios, produzindo uma insegurança jurídica sem precedentes em outros países. Ao serem confrontados com outros interesses que não participaram de sua redação, os dispositivos legalizados pelas MP normalmente produzem ações em sentido contrário, exigindo negociações e composições, gerando o mecanismo absurdo das reedições.

Esta é a situação destes dias, com o Congresso paralisado pelo engargalamento de 27 medidas provisórias ainda não apreciadas. Ao mesmo tempo, a economia reclama pela votação urgente de leis como a das falências, para viabilizar a recuperação de empresas em dificuldades, e das Parcerias Público-Privadas, essenciais para a retomada dos investimentos.

Cabe ao Congresso e aos partidos liberar essas forças contidas, como a predisposição do setor privado de investir em parceria com o poder público. Somente essa sinergia poderá romper com a indecisão e poderá oferecer à economia a massa de recursos necessários a uma verdadeira retomada do crescimento econômico. É preciso arrumar a casa, recolocando as forças políticas em posição de contribuir à retomada. kicker: Cabe ao Congresso e aos partidos liberar essas forças contidas, como a predisposição do setor privado para investir em parceria