Título: A intervenção do BC reafirma a políticade flutuação "suja"
Autor: Nivaldo Manzano
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/11/2004, Nacional, p. A-4

Embora o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reitere que não é atribuição do Banco Central administrar a taxa cambial, a intervenção do BC no mercado de câmbio, como agente do Tesouro Nacional na compra de divisas e como responsável pela recomposição do estoque de reservas internacionais liquidas, suscita a indagação sobre qual seria o piso ideal para a taxa de câmbio do real contra o dólar quando a autoridade econômica persegue mais de uma meta - inflação sob controle e competitividade cambial.

Ao intervir no mercado como comprador de divisas, para acumulação de reservas, o governo consegue reduzir o excesso de oferta de dólar no mercado doméstico (evitando uma maior apreciação do real) ao mesmo tempo que ataca o problema do baixo volume de reservas líquidas e da relação dívida/PIB elevada. Mas a intervenção não deixa de criar novos problemas.

De acordo com pesquisa de analistas, durante a segunda metade de 2003 a ação coordenada entre o Tesouro Nacional e o Banco Central foi responsável por retirar do mercado cerca de US$ 27 bilhões, diretamente (compra de divisas pelo Tesouro via Banco do Brasil) e indiretamente (resgate de cambiais). Estima-se que em janeiro de 2004 as intervenções totais tenham girado em torno de US$ 5,8 bilhões (acima da média mensal de US$ 4,5 bilhões da segunda metade de 2003), das quais só no mercado spot a autoridade monetária pode ter comprado cerca de US$ 2,6 bilhões.

Essa drenagem de liquidez - cuja última operação se deu em fevereiro, quando o BC retirou do mercado US$ 2,9 bilhões -, permitiu não somente frear o movimento de apreciação acelerada do câmbio, mas também manter a moeda estável entre R$ 2,9 a R$ 3,0 por dólar por vários meses, até que a tendência de valorização da moeda nacional ganhou consistência, a partir agosto deste ano, sem dar sinais de arrefecer.

Mesmo que o Banco Central não tenha uma meta explícita de câmbio, como as autoridades econômicas vêm reafirmando que não tem, a política de intervenção no mercado de câmbio tem garantido para o real uma competitividade elevada, além dos benefícios da acumulação de reservas e da diminuição do passivo cambial público.

Assim, até a última intervenção do BC em fevereiro, a política cambial do BC favoreceu o esforço exportador. Desde então, o movimento de apreciação do real passou a erodir a competitividade do setor exportador, sem que a autoridade econômica o admitisse publicamente . Empenhado em conter a suposta intensificação das pressões de demanda, o Banco Central fez vista grossa da tendência altista, passando a utilizar a taxa de câmbio apreciada como instrumento de controle da inflação, ao tolerar a depreciação em dólar do valor dos produtos importados.

Tais benefícios da flutuação cambial "suja" suscitam em contrapartida novos problemas. Ao comprar dólares, o Banco Central injeta liquidez no mercado; e, para enxugá-la, o Tesouro é levado a emitir títulos da dívida pública, e esta, uma vez elevada, deteriora a relação supostamente canônica dívida/PIB (em torno de 56%), induzindo os investidores a esperar por uma remuneração ainda mais elevada. Para atendê-los, o Banco Central eleva a taxa básica de juros, pressionando para cima os custos da produção, o que promove a contenção da demanda, o aumento dos custos unitários, o desestímulo ao investimento e a contenção do crescimento.

kicker: Na segunda metade de 2003 Tesouro e BC retiraram do mercado cerca de US$ 27 bi