Título: Washington não reconhece resultado
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/11/2004, Internacional, p. A-10

UE também diz ser difícil aceitar que vencedor tenha sido o premiê Viktor Yanukovich. A declaração, pela Comissão Central de Eleições, do premiê ucraniano Viktor Yanukovich como vencedor do segundo turno da eleição presidencial do país, ocorrida no domingo, aumentou a agitação no país e pode levar a problemas nas relações da Ucrânia com outras economias, como os Estados Unidos. Esse quadro criou mais temores de uma guerra civil, numa economia que faz fronteira com a Rússia - que tem interesses nela - e com a União Européia (UE).

O processo eleitoral é considerado por muitos como fraudulento. Yanukovich teria obtido 49,46% dos votos, em comparação aos 46,61% do candidato da oposição, o liberal Viktor Yushchenko, que se declarou o vencedor na terça-feira.

O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, disse que Washington não aceitava como legítimos os resultados. Pediu aos líderes ucranianos uma resposta imediata, ou haveria consequências na relação entre os dois países. O alto representante de Política Externa e Segurança da União Européia (UE), Javier Solana, pediu às partes envolvidas que encontrem "uma solução política negociada", disse sua porta-voz, Cristina Gallach. "É muito difícil para a UE aceitar resultados de eleições que não foram livres e que não se ajustaram aos critérios ocidentais", disse Gallach. A Holanda, que preside a UE neste semestre, resolveu mandar um enviado especial para a Ucrânia. O bloco espera tratar da questão da eleição com o presidente russo, Vladimir Putin, num encontro nesta quinta-feira. Putin condenou as críticas ao processo eleitoral. O candidato da oposição, que teria perdido, é mais pró-Ocidente. O Canadá também disse que não

poderia reconhecer o resultado.Dezenas de milhares de simpatizantes do líder oposicionista pró-Ocidente, Viktor Yushchenko, marcharam em Kiev desde as eleições, acusando as autoridades de fraudes maciças para negar a vitória à oposição. Yushchenko disse que não reconhecia a eleição do premiê à presidência, pediu uma "greve política" em todo o país e falou que a Ucrânia estava à beira de uma guerra civil. A oposição pediu a anulação da vitória de Yanukovich. Yushchenko pediu a realização de um novo segundo, mas para isso seria necessário mudar os membros da comissão eleitoral.

Yanukovich disse que começaria hoje a negociar com a oposição para reconciliar os ucranianos.

Investidores de mercados emergentes estão retirando seus recursos dos bônus ucranianos e comprando papéis da dívida externa brasileira. Outros países próximos ao conflito, como a Turquia e a Rússia, também sofrem leve pressão de venda, pois os analistas temem que a turbulência na Ucrânia ganhe proporções políticas maiores. "Acho que o Brasil está se beneficiando hoje dos problemas que acontecem na Ucrânia e dos efeitos colaterais na Turquia e na Rússia", disse Christian Stracke, analista de mercados emergentes da CreditSights, uma empresa de pesquisas de Wall Street.

A turbulência política na Ucrânia alargou o fosso entre a Rússia e o Ocidente, mas especialistas acreditam que é improvável que Moscou transforme a questão da eleição presidencial no ex-Estado soviético num impasse no estilo da Guerra Fria.

As eleições deram aos eleitores o direito de escolher entre manter as ligações tradicionais com a Rússia ou tender para o Ocidente e para a UE, que com a expansão de maio, chegou na sua fronteira.

O Kremlin, que vê a Ucrânia como uma zona de proteção estratégica, investiu milhões de dólares e enviou os melhores especialistas para ajudar o primeiro-ministro, pró-Russia, a derrotar o candidato Viktor Yushchenko, favorável a maiores relações com o Ocidente. Mas a tática não funcionou como o planejado.

A crise cria um dilema para a Rússia. O presidente Vladimir Putin quer reforçar a influência de Moscou sobre as ex-repúblicas soviéticas, por isso gostaria de ter um presidente solidário na Ucrânia. Por outro lado, Putin viu-se diante de um coro de críticas do Ocidente, e de grandes parceiros comerciais, sobre a eleição, exigindo a revisão do resultado. "Não acho que o apoio do Kremlin a Yanukovich tenha sido um erro", disse Vyacheslav Nikonov, chefe do centro de estudos Politika. "A vitória de Yushchenko significaria a adesão da Ucrânia à Otan nos próximos dois anos e a sua saída do mercado comum futuro, algo que o Kremlin não deveria permitir."

O Departamento de Estado dos Estados Unidos convocou a presença do embaixador russo em Washington para manifestar sua preocupação sobre o fato de Putin ter parabenizado Yanukovich pela eleição antes mesmo de os resultados terem sido publicados. Putin estava evidentemente irritado com as críticas. "A Ucrânia é um Estado altamente democrático ... Não venham ensinar democracia à Ucrânia", disse ele na terça-feira.

O presidente russo vem repetindo insistentemente que a Rússia deve ser parceira do Ocidente, e que precisa deixar de encarar a Otan ou a UE como rivais.

Mas, para analistas, apesar desse desejo de aproximação, o Kremlin considerou o episódio das críticas humilhante. "É o tipo de amizade em que um lado faz o que quer e deixa o outro com um sorriso amarelo", escreveu o jornal Nezavisimaya Gazeta na semana passada.

kicker: País faz fronteira com a Rússia e, desde maio, com a sua expansão, com a União Européia

kicker2: Turbulência política no país alargou o fosso entre Moscou e o Ocidente