Título: Anúncio do BC reverte queda do dólar
Autor: Jiane Carvalho
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/11/2004, Finanças & Mercados, p. B-1

Decisão cria a expectativa entre analistas de que, se necessário, outras intervenções surgirão. O anúncio feito pelo Banco Central de que o Tesouro vai comprar dólares no mercado interrompeu ontem uma seqüência de duas sessões em baixa da moeda norte-americana. A divulgação de que o Tesouro Nacional comprará US$ 2,998 bilhões até junho de 2005 - para quitar compromissos externos do País - reverteu a tendência de queda do dólar. Ao final do dia, a moeda fechou em alta de 0,36%, vendida a R$ 2,755. O efeito da notícia no câmbio, segundo analistas, foi limitado, tendência que deve se manter.

O mercado viveu ontem dois momentos distintos, na esteira do anúncio feito pelo BC. Pouco depois de a notícia chegar às mesas de operação, a moeda norte-americana subiu rapidamente, atingindo o patamar mais elevado do dia, de R$ 2,7610. No entanto, a tendência de uma alta mais forte logo se dissipou. "Na medida em que os detalhes da operação eram conhecidos, a procura por dólar se acalmou e os preços recuaram", diz Eloi Dantas Júnior, economista-chefe da corretora Intercam.

Dos US$ 2,99 bilhões que o Tesouro pretende comprar, US$ 566 milhões já estão contratados, o que reduz o reflexo potencial da operação anunciada na formação do câmbio. Além disso, analistas também apontam a estrutura da operação como inibidora de uma alta mais forte do moeda. "O Tesouro utiliza os bancos para comprar a moeda sem um aviso de quando isto será feito, podendo executar de forma diluída, ao longo do tempo, com pouca interferência na cotação", diz Flávio Farah, vice-presidente de Tesouraria do Banco WestLB. Quando a compra é feita pelo próprio Banco Central, são usados os chamados "dealers" - instituições autorizadas a operar em nome do BC - em operações de compra anunciadas previamente. "Neste caso, normalmente a influência na formação do preço do dólar é maior", diz Farah.

Pelo volume a ser adquirido e pela estrutura da operação, a compra de dólares pelo Tesouro não deve ter o efeito de elevar significativamente a cotação da moeda, como desejam os exportadores, mas pode frear a tendência de queda. "O anúncio deve causar um pequeno movimento especulativo de compra que impedirá a continuidade da queda acentuada do dólar, mas não terá muita força para causar uma alta sustentável", prevê Dantas, da Intercam. É a mesma opinião de Farah, do WestLB. "A operação serve mais para impedir a continuidade da queda do que para elevar a moeda."

Tanto o WestLB quanto a corretora Intercam, por conta do anúncio, estão adiando uma revisão para o câmbio no final de 2004. "Estávamos por reduzir a cotação prevista para a virada do ano, de R$ 2,90, mas decidimos manter este patamar", diz Dantas, da Intercam. A previsão do câmbio no final do ano feita pelo WestLB, que também seria revista para baixo, foi mantida entre R$ 2,85 e R$ 2,90.

Operação afeta expectativas

Embora os reflexos devam ser suaves no dia-a-dia do câmbio, o anúncio teve forte impacto. "Isto mostra que o BC, embora negue, está de olho na cotação do dólar e se ocorrerem novas depreciações no mercado, pode agir", diz Francisco Carvalho, gerente de mesa da corretora Liquidez. "Acredito que o piso para uma intervenção de fato, que seria bem mais forte, é de R$ 2,7." Eloi Dantas concorda: "Se a operação anunciada não tiver o efeito esperado, o BC deve entrar mais duro no mercado, comprando para recompor reservas".

Segundo os analistas do mercado financeiro, o que estaria limitando esta atuação mais forte no câmbio - importante para garantir a competitividade das exportações brasileiras - é a necessidade de atingir a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional, mas cuja responsabilidade é do BC. Se o dólar subir muito, afeta boa parte dos preços das commodities e os preços internos sobem, dificultando o controle da inflação e forçando um aperto na política monetária. "Qualquer atuação do BC está limitada pela necessidade de controle inflação", lembra Francisco Carvalho, da Liquidez. "Um câmbio entre R$ 2,75 e R$ 2,9 talvez seja um valor que não prejudique exportações nem tão pouco a inflação."

A compra de dólares, ao injetar reais no mercado, poderia aumentar a liquidez e, de certa forma, pressionar a própria inflação. Mas, na opinião dos analistas, tudo será bem dosado e ocorrerá ao longo de sete meses. Além disso, surtiu efeito positivo sobre as cotações dos papéis no mercado internacional. A cotação do C-Bond avançou 0,5%, vendido a 100,875% do seu valor de face. E o risco-país chegou nos 414 pontos, em queda de 3%.