Título: Os sinais de alerta da autoridade monetária
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/11/2004, Opinião, p. A3

O anúncio, na quarta-feira, de que o Tesouro Nacional vai comprar US$ 2,998 bilhões até junho de 2005, para efetuar o pagamento de dívidas externas que vencem nesse período, e a divulgação ontem da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) mostram que os responsáveis pela política monetária e cambial enfrentam o velho dilema, consubstanciado na frase "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", que se tornou popular com o sucesso da peça, com esse nome, de Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, nas décadas de 60 e 70.

O cenário que motivou o anúncio da compra de dólares e as decisões do Copom mostrava uma valorização continuada e persistente do real diante do dólar, uma queda no superávit da balança comercial na semana passada (da média semanal do ano, de mais de US$ 500 milhões para US$ 209 milhões naquela semana) e inflação em ligeira alta, principalmente por influência da elevação dos preços dos combustíveis, que ontem voltaram a subir, como anunciou a Petrobras.

O alarme parece ter disparado quando, na terça-feira, dia 23, a cotação do dólar atingiu o ponto mais baixo desde 19 de junho de 2002, ao bater em R$ 2,744. Era preciso interromper essa queda, excessiva e artificial, provocada, segundo o ex-presidente do Banco Central (BC) Carlos Geraldo Langoni, pela entrada excessiva de capitais de curto prazo no País.

Assim, o governo e o BC decidiram dar um alerta para o mercado, ao intervir ¿ mas oficialmente não querendo intervir ¿, com o anúncio da intenção de compra do Tesouro. Isso se tornou evidente, diante do fato de que o Tesouro não é obrigado a divulgar suas operações no mercado de câmbio, ao contrário do que ocorre com o BC. E uma compra volumosa nunca deve ser anunciada, sob risco de o mercado se antecipar e elevar os preços ¿ a menos que essa, justamente, seja a intenção por trás do anúncio.

Além disso, a argumentação, tanto do Ministério da Fazenda como do Banco Central, até a semana passada, era de que a cotação do dólar até então não prejudicava as exportações e, além disso, ajudava a segurar a inflação com importações a preços mais baixos em reais. Nessas condições, as pressões para elevação da taxa básica de juros são menores. E quem tem dívida em dólares ¿ governo e empresas privadas ¿ aproveita para antecipar o pagamento de seus compromissos.

Assim, ao que tudo indica, essa pressão psicológica sobre o mercado tem a intenção de interromper a trajetória de valorização do real, mais do que elevar o preço do dólar, mantendo-o num patamar entre R$ 2,80 e R$ 2,90, que, como dados recentes da economia demonstram, não prejudica as exportações nem acelera a inflação interna.

O anúncio da compra de dólares, apesar de desnecessário, também tem o efeito psicológico de tranqüilizar o mercado, ao indicar a disposição do governo brasileiro de honrar os compromissos internacionais ¿ no caso, dívidas junto ao Clube de Paris e de quitação de bônus bradies, emitidos em troca da dívida externa brasileira em 1994. Com isso, já na quarta-feira, a cotação do C-Bond valorizou 0,5% no mercado internacional e foi vendido a 100,875% do valor de face. E o risco-país caiu 3%, para 414 pontos (ontem subiu 0,48%, para 416 pontos), o que significa juros menores para o Brasil.

No âmbito interno, o Tesouro Nacional será obrigado a emitir títulos da dívida pública para reduzir a liquidez injetada no mercado com a compra de dólares. Com esse aumento do endividamento interno, os investidores pressionam por taxas de juros mais elevadas, o que leva o BC a aumentar a taxa básica Selic. Isso eleva os custos de produção e os preços, inibindo a demanda e, em conseqüência, desestimulando os investimentos, o que causa entraves ao processo de crescimento da economia.

Afora isso, a ata da reunião de novembro do Copom alerta para eventuais exacerbações de fatores de risco, como o aumento dos preços internacionais do petróleo e o crescimento da inflação. E para quem duvida que o bicho pode pegar ou comer, a ata do Copom não deixa dúvidas: "Caso avalie que o risco de que a inflação se distancie da trajetória de metas e não esteja se reduzindo de forma satisfatória, a autoridade monetária estará preparada para alterar o ritmo e a magnitude do processo de ajuste nos juros básicos iniciado na reunião de setembro."

Numa exegese do texto e das decisões das autoridades econômicas, fica claro que o governo não vai permitir uma sobrevalorização do real, mesmo porque isso pode comprometer os resultados já obtidos nas contas externas, e, para conter a inflação, está disposto a adotar uma elevação mais forte dos juros. O que a Nação não aceita é a reversão do crescimento. kicker: A pressão psicológica sobre o mercado tem a intenção de interromper a valorização do real, mais do que elevar o preço do dólar