Título: Energia alternativa para o crescimento
Autor: Rodrigo da Rocha Loures
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/08/2004, Opinião, p. A-3
Às voltas com a crise política do momento, com as teimosas taxas de juros que insistem em se manter elevadas, ou com as eleições municipais, parece que todas as preocupações do Brasil se reduzem ao imediato, ao cotidiano. Não é de hoje que tem sido assim. Falta discutirmos, com profundidade, questões cruciais, de base, temas que certamente serão determinantes na regulação da política, da economia ou das relações sociais no futuro. Às vezes, um futuro que está próximo, muito próximo. É esse o caso da crise de energia que se avizinha, com contornos dramáticos para o Brasil e para o mundo, especialmente no que se refere ao petróleo. A recente licitação promovida pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) envolvendo 913 blocos de exploração de óleo e gás natural em 12 bacias sedimentares, por exemplo, iria render não mais que um registro frio nas páginas de economia dos jornais, se a questão não chegasse também ao Supremo Tribunal Federal (STF). Transcorrida uma rápida batalha judicial, o leilão foi realizado e, passados poucos dias, o caso já corre o sério risco de cair no esquecimento. No entanto, a discussão trata de uma daquelas questões vitais para a definição do futuro do País: se o petróleo e o gás natural - por definição constitucional bens pertencentes à União - podem ser cedidos a terceiros para livre exploração e comercialização, aqui ou no exterior. Atente-se que não se discute a permissão da pesquisa e exploração pela iniciativa privada - o que é salutar para o País -, mas a soberania em relação ao produto extraído. O episódio, mais a alta recorde do petróleo no mercado internacional, torna absolutamente inadiável a reflexão sobre a questão energética no nosso País. Não se trata de posicionamento ideológico, mas de discutir amplamente e construir uma política que melhor atenda aos nossos interesses tecnológicos, econômicos e sobretudo à soberania nacional, pensando não só no agora, mas principalmente no futuro. É imperativo criar um debate sobre a questão - o Brasil está em situação desconfortável, nossas reservas de combustíveis fósseis duram pouco mais do que 15 anos. Rumamos para a inevitável escassez diante de um quadro agravado pela insuficiência de investimentos em soluções que ao menos dobrem a vida de nossas reservas. Por detrás desta crise mundial, os inevitáveis conflitos entre produtores e consumidores de petróleo, que acenam constantemente com a possibilidade de guerras e ameaças à paz mundial. Caminhamos para o fim de um ciclo, com o qual haverá transformação na matriz energética do planeta. A situação global, que já é sombria, deve piorar drasticamente nas próximas duas décadas. Até 2025, pelo menos dois terços do petróleo mundial serão importados de um único lugar: a instável região do Golfo Pérsico. A mistura de exploração de petróleo e política no Oriente Médio já custa caro ao mundo inteiro - dinheiro, dor e sangue. No futuro pode custar ainda dez vezes mais. Caso não nos antecipemos a esse cenário, a situação será desesperadora e nos veremos como ratos famintos lutando pelo último pedaço de queijo. A nós, brasileiros, não interessa estar como os ratos e tampouco representar o queijo. Dessa relação de dependência o Brasil precisa escapar obrigatoriamente. Pela complexidade de nossa economia, temos de desenvolver capacidade tecnológica e formular planos e políticas alternativas para superar barreiras da escassez de energia, principalmente em relação aos combustíveis líquidos. Assim, já foi alçado ao sucesso o automóvel híbrido, com flexibilidade "GEM": gasolina, etanol e metanol. O carro de motor flexível, que roda tanto com gasolina quanto com álcool. Considerando que a vida útil de um automóvel é de 15 anos, não há mais tempo a perder. Toda nova frota deve já sair de fábrica com motores flexíveis. Temos potencial e podemos desenvolver competência para alcançar a liderança mundial na área de energias alternativas renováveis e ecologicamente corretas. Essa é uma possibilidade real para aumentar a vida de nossas reservas petrolíferas. Nesse campo, a informação e o debate permanente são fundamentais. Para tanto, sugiro a criação de um Observatório de Energia, um núcleo que monitore e organize as informações disponíveis sobre o setor no Brasil e no mundo e as disponibilize - ao mesmo tempo como embasamento técnico e o pensamento da sociedade - para a tomada de decisões estratégicas. O núcleo precisa envolver a sociedade civil e ter apoio incondicional da iniciativa privada para cumprir papel de estimulador na busca por fontes alternativas de energia renovável. Fundamental é não perder de vista os graves problemas que já se desenham para o futuro e transformar a ameaça real em inigualável oportunidade para alavancar o desenvolvimento do Brasil.