Título: Política industrial para o Mercosul
Autor: Luiz Marinho e Carlos Alberto Grana
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/08/2004, Opinião, p. A-3

Descoordenação das políticas macroeconômicas aumenta os desequilíbrios. A recente crise comercial no setor de eletroeletrônico da Argentina e Brasil foi parcialmente solucionada com acordos entre os governos e o setor privado, que resultou na redução voluntária de exportações brasileiras de fogões e geladeiras. No caso de máquinas de lavar as negociações não se concluíram; e no de televisores, a Argentina estabeleceu alíquota de 21% às exportações brasileiras. No passado houve acordos "voluntários" de limite de exportações brasileiras: calçados em 1999, têxteis em 2003/2004, suínos em 2002/2004. E já se anuncia na Argentina que poderão ocorrer novos conflitos nesses setores e mais o de automóveis e autopeças, máquinas agrícolas, motocicletas, papel e componentes metalúrgicos. Ou seja, acordos temporários e tópicos só adiam problemas e debilitam o bloco. O Mercosul é um êxito do ponto de vista comercial (no plano político, social e cultural ainda está longe). Mas tem várias dificuldades, como a descoordenação das políticas macroeconômicas, fator que aumenta a incidência de desequilíbrios (como quando o Brasil adotou o câmbio flutuante, em 1998/99) e propicia conflitos setoriais, já que o gerenciamento do comércio fica a cargo das empresas, que, para reduzir custos e elevar exportações, decidem onde e como produzir, que unidades fechar, que produção deslocar etc. Apesar de secundários, esses conflitos ganham relevância se inseridos num cenário de complicadas e desvantajosas negociações externas do bloco. Assim, para nós, acordos precários e temporários são fatores de incerteza para empresas e provocam demissões e redução de salários nos dois lados da fronteira. Temos discutido propostas com os sindicatos dos demais países do Mercosul e há mais de dez anos temos apontado esses problemas aos governos. Defendemos a adoção de políticas ativas que permitam corrigir atrasos e distorções e a definição de uma estratégia produtiva enquanto bloco. O crescimento da produção no Brasil e na Argentina indica que agora é o momento de avançar com a integração industrial no Mercosul. Para isso, é preciso que se faça uma revisão da política e da agenda macroeconômica. A crise da indústria de nossos países, sobretudo a Argentina, é fruto de políticas predatórias aplicadas na década passada, que a desnacionalizou e aumentou os desequilíbrios comerciais, principalmente em setores como o de eletroeletrônicos. É urgente também elaborar uma política industrial comum, que proporcione a cada país um espaço produtivo apropriado, assegurando o escoamento dessa produção para o conjunto. No nosso campo, vamos propor aos parceiros sindicais uma mobilização regional contra o desemprego e por melhor distribuição de renda. De início, queremos uma campanha pela redução das horas extras, já que estas têm inibido concretamente novas contratações. Um exemplo é o próprio setor eletroeletrônico, que no Brasil está produzindo de domingo a domingo para atender as demandas, sem que isso se reflita em novas contratações. Assim, para nós, apenas com a elevação da renda é possível criar um mercado de consumo regional capaz de comportar uma política de integração da produção e do comércio voltada para o desenvolvimento social, objetivo que nossos atuais governos colocam como prioritário para o Mercosul.