Título: Conflito em Santos exigirá arbitragem
Autor: Roberto Manera
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/11/2004, Transporte & Logística, p. A14

MRS Logística e Brasil Ferrovias só concordam num ponto: ambas são contra a terceira linha. O diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), José Alexandre Nogueira de Resende, insistiu, em sua participação no Enaex, Encontro Nacional de Comércio Exterior, em São Paulo, em sua tese de que a melhor solução para o conflito entre a MRS Logística e a Brasil Ferrovias, que engloba a Ferronorte, a Novoeste e a Ferroban, sobre o acesso ao Porto de Santos, é a construção de uma terceira linha férrea na área de domínio que interliga o entroncamento Piaçagüera e a estação do Valongo, já na área portuária. É a única solução que aproxima os dois contendores no conflito. Ambos são contra.

Na semana passada, durante uma viagem em vagões especiais da MRS, concessionária da malha Sudeste da antiga Rede Ferroviária Federal S.A., Resende ouviu a posição contrária de Julio Fontana Neto, presidente da MRS, e de Henrique Aché Pillar, diretor financeiro da companhia, com sedes em Juiz de Fora e no Rio. Eles defendem a tese de que não caberia uma terceira linha na estreita faixa de domínio, limitada por um mangue protegido pelo Ibama, ao norte, e por ruas e avenidas da cidade de Santos, ao sul.

Esta semana, José Alexandre de Resende ouvirá novamente, agora da Brasil Ferrovias, a mesma posição contrária, só que com argumentos diferentes. A concessionária não quer pagar pelo direito de uso dos 16 quilômetros da linha restaurada pela MRS. O pagamento encarece seu custo operacional em R$ 6,20 por tonelada, quase 9% do custo total do transporte entre Alto Taquari, no Mato Grosso do Sul, e Perequê, já na planície litorânea de São Paulo, de R$ 68 por tonelada. "O que queremos é restaurar a segunda linha (paralela à da MRS), atualmente inoperante, para o que já temos até um orçamento. A obra custaria pouco mais de R$ 18 milhões", diz Elias Nigri, presidente da Brasil Ferrovias.

A obra proposta pela ANTT, também orçada, custaria R$ 87 milhões, exigindo a construção de novas pontes sobre braços do mangue, a desocupação de trechos da faixa de domínio invadidos por favelas e o remanejamento das duas linhas já existentes, para que os novos trilhos se "encaixassem" entre elas.

"E isto se a construção fosse realmente possível", diz Nigri. A fragilidade do ecossistema de mangue, segundo ele, causaria sérios problemas com o Ibama, que teria de aprovar o estudo de impacto ambiental causado pela obra.

A MRS invoca o fato de que a concessão recebida do governo engloba toda a chamada "Ferradura", o trecho em forma de arco que a partir de Piaçagüera dá acesso, pelo sul, à margem direita, e pelo norte, à margem esquerda do Porto de Santos. A Brasil Ferrovias, por sua parte, brande o contrato de concessão a sua controlada Ferroban, que cobre a antiga malha paulista, cujo parágrafo 2 da primeira cláusula diz, textualmente: "Desde logo, a concessionária fica com o direito de concessão de serviço público precedida de execução de obra pública (...), para, a seu critério, construir e explorar, por sua conta e risco, o prolongamento da via permanente da malha paulista até o porto de Santos".

Troca de farpas

Segundo um executivo da MRS, o "prolongamento da malha paulista", não designa o trecho de Piaçagüera ao Valongo. Um de seus colegas da Ferroban responde com uma pergunta irônica: "Será que o governo (patrocinador do Programa Nacional de Desestatização, que aprovou as concessões) propõe o prolongamento aéreo, ou por um túnel submarino, ou por uma moderna linha férrea cortando as regiões urbanas de São Vicente e Santos?"

E é exatamente o que a Ferroban vem fazendo, fruto de convênio com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), cujos trilhos urbanos vem utilizando para, a partir de Samaritá, no litoral sul paulista, levar suas composições até a margem direita do porto de Santos, cruzando ruas e avenidas da cidade de São Vicente e da própria Santos.

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"Nossos trilhos começam, ao norte, no coração da maior região produtora de soja do mundo; cortam pólos mineradores e produtores de 65% do álcool e do açúcar do País. O Porto de Santos, onde os trilhos acabam, por sua vez, processa 25% das exportações brasileiras. É óbvio que precisamos ter acesso não-pedagiado ao porto", diz Elias Nigri, da Brasil Ferrovias.

Este é o impasse que, depois de ouvir as duas partes, a ANTT terá de arbitrar, como admite o próprio diretor da ANTT, José Alexandre Nogueira de Resende.