Título: Obesidade entra forte na discussão publicitária
Autor: Andréa Ciaffone
Fonte: Gazeta Mercantil, 26/11/2004, Mídia & Marketing, p. A16

Guru prevê que preocupação vigente na comunicação nos EUA vai entrar logo no discurso do marketing no Brasil. Exceto pelo bonequinho da Michelin, ninguém se orgulha em exibir seus pneuzinhos ao redor da cintura. A respeito disso e do fato de que os ícones de beleza de ambos os sexos estarem mais magros do nunca na história da humanidade, o mundo todo está engordando. E rápido. Em sociedades que lançam e criam tendências de comportamento, como os EUA, os efeitos deletérios da ausência feminina em casa e na cozinha - o que se traduziu em uma alimentação baseada em comidas processadas e fast food - associado ao crescente sedentarismo produziu a mais formidável montanha de obesos do planeta.

"O que antes era uma questão pessoal, tornou-se um dos mais complicados problemas corporativos de que já se teve notícia", afirma o vice-presidente executivo da Burson-Marsteller, David Coronna. Baseado na matriz da empresa em Chicago, Coronna aponta a questão da obesidade como o principal assunto na pauta de curto prazo para especialistas em comunicação, imagem corporativa, relações públicas e branding. "A problemática da obesidade já está no centro das atenções nos EUA e em breve também será a principal pauta de discussão internacional", prevê o especialista em comunicação.

As razões que justificam sua opinião se baseiam no processo de globalização. "Hoje as marcas, as campanhas, o consumo, os hábitos alimentares e a até a comunicação são globalizados. Por isso, é natural que os grandes problemas também sejam", descreve Coronna.

"Cada vez mais os fornecedores de alimentos deverão ser identificados como fornecedores de nutrientes, o que muda completamente o discurso de marketing dos produtos", assinala o presidente da Burston-Marsteller no Brasil, Ramiro Prudencio. "Para as empresas do setor alimentício, o desafio de ser compreendida como fornecedor de nutrientes e não de calorias vazias torna-se um fator chave, que pode determinar seu sucesso ou ameaçar sua sobrevivência", explica Prudencio. "É a oportunidade de tirar vantagem das suas atitudes ou perecer."

Para quem acha que o problema do excesso de gordinhos se restringe aos EUA, Prudencio aponta que nos adultos pode ser que o percentual de obesos do Brasil seja bem menor que o dos EUA, mas que se a comparação for feita pelos números relativos aos adolescentes e crianças, percebe-se que a diferença já não é tão grande os números norte-americanos, europeus e latino-americanos. Assim, tudo indica que em uma geração o problema deve se tornar igualmente alarmante em boa parte do mundo.

"No Brasil a questão da obesidade ocupará posição de destaque muito rapidamente", prevê o presidente para o Brasil, Ramiro Prudencio. "Isso deve ocorrer não por causa de preocupações estéticas mas porque o País está na vanguarda em termos de regulamentação nas questões de saúde pública", completa o executivo, lembrando que a legislação sobre o tabaco e o controle da AIDS é muito mais adiantada no Brasil do que em boa parte do planeta, incluindo países como o Canadá ou os EUA.

Com faturamento mundial de US$ 265 milhões em 2002, a empresa do Grupo WPP diz acreditar que 2004 registrará o primeiro crescimento depois de dois anos de sem crescer. Hoje, 60% do faturamento vêm dos EUA e outros 40%, do resto do mundo. Encarregados da comunicação corporativa de empresas como Coca-Cola, McDonald¿s, Kraft Foods, Unilever e Roche (fabricante do Xenycal), os especialistas em branding da Burston-Marsteller estão diante de um grande pepino. Aliás, a própria empresa aponta saúde, tecnologia, obesidade, energia e biotecnologia como as cinco áreas de maior complexidade de grande impacto local e global e que geram efeitos bastante intensos na operação das empresas.

Cada vez mais roliças, as pessoas deixam de considerar o excesso de peso um problema pessoal e passam a culpar as corporações e sua política de comunicação e marketing por seus quilinhos a mais. Desde que duas adolescentes norte-americanas processaram o McDonald¿s como responsável pelo fato de serem obesas, a bomba explodiu. "Para atuar melhor nessa questão fizemos uma parceria com um escritório de advocacia", conta Coronna.

"Nos EUA, a questão da obesidade é matéria de litígio, já na União Européia é objeto de regulamentação", esclarece. "Além do aspecto empresarial da epidemia de obesidade, há as questões de saúde pública, o relacionamento com o governo", destaca. Hoje, essa questão afeta tanto o valor de uma marca quanto aspectos de ética trabalhista ou correção ecológica. "Agora, o consumidor não quer só um produto, quer uma atitude", diz Coronna. "Por melhor que seja o branding de uma marca, as pessoas prestam atenção na atuação ética, ou seja, que o produto não seja nocivo ao ambiente, não seja testado em animais, não explore o trabalho infantil, etc."

Na Inglaterra, por exemplo, a ofensiva antipneuzinhos começou no último dia 16 com a publicação de um documento sobre saúde pública, em que o governo Tony Blair aponta como grandes objetivos a redução do fumo, do álcool, da obesidade e a promoção do sexo seguro. Nesse documento, o governo pede que a indústria crie uma auto-regulamentação na criação de rótulo que deixem mais claros os teores de gordura, açúcar, sódio e sal dos alimentos e sugerem que a indústria alimentícia e a publicidade cheguem, até 2007, a um código comum sobre como anunciar dentro de um cenário de responsabilidade sobre nutrição. O governo da Inglaterra quer banir da programação de TV antes das 21h a publicidade de comidas não saudáveis. Com isso, muita coisa mastigável ficará na mesma situação de exceção de veiculação que álcool e o tabaco.