Título: Uma vitória do multilateralismo
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 30/11/2004, Opinião, p. A3
O Brasil, Canadá e México vão partir juntos para a briga com os Estados Unidos por causa da Emenda Byrd, desde que foram autorizados, sexta-feira última, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a retaliar exportações norte-americanas, aplicando sanções aos produtos daquele país. Tão logo a OMC anunciou sua decisão, os dois países da América do Norte procuraram o Itamaraty buscando um entendimento para ação comum, o que é razoável, pois a única maneira de o gigante americano sentir a estocada é se ela for aplicada dessa forma, ou seja, agravando-se os danos comerciais com o peso político, que a reação conjunta representa. Assim, para absorver esse golpe, Washington estará enfrentando o esforço comum das três maiores economias das Américas. O Chile, também beneficiado pela decisão, não se aliou, permanecendo junto com os demais litigantes singulares ¿ Japão, União Européia (UE), Coréia do Sul e Índia.
Esse leque de reclamantes também demonstra o grau de irritação que essa manifestação do unilateralismo pode provocar, não só entre os parceiros mais expressivos dos Estados Unidos, como até internamente. A CITAC, organismo que congrega industriais e consumidores para defesa do livre comércio, nos EUA, regozijou-se pela decisão da OMC, dizendo que aquela lei somente beneficiava empresas incompetentes para concorrer no mercado global. Também o presidente norte-americano, George Bush, embora evitando confrontar-se com o Cron-gresso, responsável pela Emenda Byrd, revelou alguma simpatia pelo multilateralismo, afirmando que os EUA "se esforçam para satisfazer à OMC" e que trabalhará com o parlamento para que essas regras se cumpram.
Essa Emenda Byrd parece ser uma dessas iniciativas parlamentares que se transformam em lei sem um maior aprofundamento na análise das suas conseqüências. Por essa legislação, a empresa que se enquadrar como prejudicada no âmbito de alguma ação antidumping tem direito à indenização correspondente ao suposto prejuízo. E mais: os recursos para cobrir a demanda saem dos próprios direitos aplicados pela sanção. Ora, tanto consumidores como produtores americanos estão protestando, pois a medida protege, no seu mérito, a ineficiência e prejudica o consumidor; e ainda, na prática, revela-se como uma mina de ouro para advogados, que estão ganhando milhões em honorários em ações para reclamar direitos assegurados pela Emenda.
Certamente essa pressão internacional acabará por derrubar a Emenda Byrd. É preciso, ainda, que seja um passo na luta contra o protecionismo.
A articulação dos três países americanos para a reação em comum acrescenta conteúdo político ao litígio comercial. A posição intransigente do Mercosul de agir em bloco para negociar a Alca ganha sentido e reconhecimento, porque é claro que Canadá e México perceberam ser imprescindível somar esforços para chegar aos efeitos da decisão da OMC. Para negociar com a superpotência é preciso um máximo de força, pois com seu mercado os Estados Unidos podem, como no caso da Emenda Byrd, tomar medidas unilaterais que configuram, como nesse caso, um claro abuso de autoridade, uma vez que, mesmo respeitando sua legislação nacional, agridem de forma inaceitável os direitos de seus parceiros pelo mundo afora. Certamente o governo americano mostrará aos partidos os danos políticos de uma medida como aquela, pressionado pelos efeitos que a aglutinação de Brasil, Canadá e México podem produzir.
Para o Brasil, esta vitória na OMC também confirma o acerto da política externa que sua diplomacia vem implementando desde o final da Guerra Fria, procurando fortalecer o multilateralismo como instrumento para equilibrar o superpoder da potência hegemônica. Somente o respeito e o prestígio aos organismos internacionais podem dar alguma proteção aos pequenos diante do formidável poder dos grandes. Pois assim têm agido os sucessivos governos que se seguiram à queda do Muro de Berlim. Nosso país tem agido de forma exemplar nesse contexto.
Quando o Brasil abre suas contas ao Fundo Monetário Internacional, por exemplo, não está apenas procurando um voto de confiança da comunidade financeira, mas, também e principalmente, agindo politicamente, oferecendo transparência, um gesto coerente com tudo o que defende nos foros do multilateralismo. Tudo isto demonstra como é importante para a produção, para o emprego e para o desenvolvimento uma diplomacia rica em recursos humanos e bem equipada tecnicamente para obter um mínimo de equilíbrio e protagonismo nessa arena de lutadores desiguais, que é o mercado global. kicker: Há protestos, mesmo nos Estados Unidos, contra a Emenda Byrd, porque a medida protege a ineficiência e prejudica o consumidor