Título: À direita
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2011, Opinião, p. 17

Pesquisa atesta que os europeus, em sua ampla maioria, não acreditam em seus governos e tampouco na honestidade de seus políticos. As consequências já podem ser vistas e avaliadas. A extrema direita sai de seus pequenos bolsões e se coloca em painéis onde estão as forças políticas mais representativas. Tornaram-se reais as possibilidades de que aconteçam viradas à extrema direita nas urnas. É o caso da França, onde o presidente Sarkozy afunda e a Frente Nacional, com requintes neonazistas, de ¿pureza¿ racial, começa a ter peso político considerável.

Esse retrocesso é ainda impulsionado por uma onda de imigrantes ilegais que bate às portas da Europa, a partir das convulsões no norte da África e Oriente Médio. Mais de 7 mil já haviam desembarcado na Itália até o fim de março. ¿Europeus odeiam imigrantes, mesmo sabendo que eles ajudaram a reconstruir a Europa depois da Segunda Guerra Mundial, são ex-metrópoles que, ainda por cima, apoiaram os ditadores contra os quais agora lutamos¿, disse um deles. A Itália ocupou a Líbia; a França, a Tunísia; e a Inglaterra, o Egito e partes do Oriente Médio.

Há como explicar o desengano dos europeus com seu establishment, com os poderes até agora dominantes. Economias em baixa, governos endividados, menos emprego, tudo isso em compasso de naufrágio político. Com eleições, por exemplo, cujos resultados descartem maiorias reinantes ou civilizadas, como observou um intelectual da França, onde são maiores os riscos de que se aprofunde a guinada à direita. Como lidar com os fantasmas que já estão com pés nas estradas? Alguém lembrou, com exagero, é bom supor, que Hitler colocou os pés na estrada criando brigadas de desempregados.

Na Áustria aconteceu algo parecido com o que se passa agora na França e com as mesmas ambições, a de encaixar a extrema direita numa ¿frente nacional¿. Nem a Inglaterra escapou. Houve uma tentativa de montar um golpe nos anos 70 do século passado, no âmbito do regime parlamentarista inglês. Forças conservadoras se movimentaram à margem do jogo político, num início de reação a uma pesada greve dos sindicatos mineiros com apoio da esquerda trabalhista radical. Está registrado nos arquivos de inteligência e foi tema de um filme de Ken Loach. Os anos 70 foram sobretudo de excessos de guerra fria. A América Latina esteve presente, com barbarismos no Chile e na Argentina, em nome da preservação de valores ocidentais.

Economistas dizem que a partir de agora as guerras serão travadas com moedas e não com armas de fogo. Com sua moeda depreciada, a China invade os mercados. Pressões estão em alta para que os chineses valorizem sua moeda e não tanto para que respeitem os direitos humanos.

As potências ocidentais estarão abrindo mão de valores que já levaram a duas guerras mundiais e a um lote de regionais? Os chineses já estão com os pés na América Latina. Financiaram um torneio de futebol na África do Sul. E assim por diante. Já os países europeus estão cada vez mais carregados de pessimismo em relação ao que terão de lidar num futuro não muito distante.

A grande surpresa da pesquisa envolveu o aquecimento global, sobretudo porque foi feita depois de uma enxurrada de desastres naturais. Apenas um em cada 10 consultados colocou as mudanças climáticas entre suas maiores preocupações. Mas aconteceu na Alemanha o que os defensores do meio ambiente esperam que se amplie. Os ¿verdes¿ ganharam eleições num estado, desbancando a coligação conservadora no poder. Mas os ingleses, em mais um exemplo negativo, parecem pouco preocupados com os avanços da extrema direita. Um quinto dos consultados consideraram o avanço econômico da China ameaça muito maior. As dívidas dos governos europeus são tidas pelos próprios europeus como ameaça igual à do terrorismo islâmico.

E os europeus, o que é extremamente grave, parecem pouco preocupados com os avanços da extrema direita. A pesquisa sugere que eles consideram como já estando na reta final. São 60 anos de um pós-guerra de crescimento e prosperidade. Cabe aos governos mostrarem aos súditos se eles estão errados ou não. O que se sabe, inclusive por experiências passadas, é que crises econômicas, dependendo de seus graus de gravidade e longevidade, são dádivas para a extrema direita.