Título: A crise do sistema monetário internacional
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/12/2004, Opinião, p. A3

"Our currency, but your problem." ("A moeda é nossa, mas o problema é de vocês", numa tradução livre). Depois de cerca de 30 anos, essa frase do então secretário do Tesouro dos Estados Unidos John Connally, no final do governo Richard Nixon, volta a ganhar sentido com a persistente e continuada desvalorização do dólar, sem que o governo do presidente George Walker Bush mostre intenção firme de reduzir os déficits fiscal e de contas correntes dos EUA. Atualmente, só o déficit em conta corrente já está próximo de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele país.

No distante ano de 1971, o governo republicano de Richard Nixon detonou o sistema de paridades cambiais fixas, estabelecido pelo acordo de Bretton Woods, que procurou preservar os interesses do sistema financeiro internacional e os dos Estados Unidos no pós-guerra ao ancorar as moedas conversíveis no dólar, com base no ouro estocado no Forte Knox. Sem consultar ninguém, Nixon simplesmente desvinculou o valor do dólar das reservas de ouro do país. A partir daí, a economia mundial ficou à mercê da máquina de imprimir dólares do governo norte-americano para atender aos seus interesses econômicos, políticos e militares em todo o mundo.

O controle financeiro internacional pelos Estados Unidos se consolidou com a chamada reaganomics, a política econômica de outro presidente republicano, Ronald Reagan, embora ela tenha levado o mundo a uma recessão generalizada.

Naquela época já surgia a ideologia messiânica ¿ que retornou com força fundamentalista nos dois governos também republicanos do atual presidente Bush ¿, de que os Estados Unidos tinham a missão de proporcionar a paz no mundo e zelar pelo bom caminho da economia mundial. Ao país cabia a responsabilidade de garantir ao mundo, além de uma moeda internacional, o know-how do livre comércio e das políticas econômicas nacionais, sob orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Assim, ao longo das décadas de 80 e 90, o novo sistema monetário internacional permitiu aos Estados Unidos acumular déficits de balanços de pagamento, financiados por economias de outros países na base de cerca de US$ 600 bilhões por ano. E o que é pior, por países emergentes. Relatório do Banco Mundial (Bird) divulgado há duas semanas mostra que os países em desenvolvimento ampliaram 80% suas reservas em moeda estrangeira, principalmente em dólar, tornando-se, portanto, provedores do financiamento do déficit norte-americano. Só o Brasil, China, Índia, México, Tailândia e Turquia são responsáveis por 45% de todas as reservas mundiais dos países emergentes.

Para resolver esse imbroglio, segundo os economistas, os Estados Unidos precisariam importar menos, exportar mais, reduzir o consumo e aumentar a poupança interna (que está num nível muito baixo), elevar os juros e os impostos e cortar o déficit do orçamento. Ou seja, todas as medidas que o FMI impõe ao Brasil e a outros países com problemas semelhantes, enquanto se limita a apenas aconselhar os Estados Unidos a cortar seus déficits, que estão na origem da maioria dos problemas econômicos internacionais.

Ainda que os EUA decidissem acatar os conselhos do FMI, do Banco Mundial e do Banco Central Europeu para reduzir seus déficits, precisariam da adoção por parte de seus grandes parceiros, de medidas complementares, a que eles não estão dispostos. Japão e Europa, por exemplo, não querem estimular a demanda interna para crescer, nem pensam em reduzir as exportações para o mercado norte-americano, que tem sustentado seu pequeno crescimento. Já os países asiáticos, principalmente a China, não querem valorizar suas moedas, para não correr o risco de perder mercados importadores que sustentam seu crescimento.

Para alguns analistas, a queda persistente do dólar pode ser um sinal importante de que os países e investidores estrangeiros não estão mais dispostos a financiar a orgia de consumo da população norte-americana. E cresce entre economistas e políticos fora dos Estados Unidos a idéia, também defendida na semana passada pelo presidente russo, Vladimir Putin, de os países diversificarem suas reservas internacionais com uma cesta de moedas fortes. No Brasil, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan também falou em aumentar as vendas ao exterior em outras moedas conversíveis, embora as exportações brasileiras ainda estejam muito vinculadas à área de influência do dólar.

Neste momento, é importante que governo e empresários brasileiros estejam preparados para possíveis turbulências na economia mundial, como elevação de juros e redução do crescimento.

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kicker: Os EUA precisariam importar menos, exportar mais, reduzir o consumo e aumentar a poupança interna, e elevar os juros e os impostos